domingo, 28 de fevereiro de 2010

Escolas não se adaptam a aluno de 6 anos

> Folha de São Paulo, 26/02/2010 - São Paulo SP


No primeiro ano do ensino fundamental, colégios estaduais e municipais não têm estrutura ou projeto pedagógico adequado. Proposta era mesclar o início da alfabetização com atividades lúdicas, mas professores não foram preparados para isso FÁBIO TAKAHASHI DA REPORTAGEM LOCAL Sentada em uma carteira de adulto, Isabela, 6, não consegue colocar o pé no chão. Suas sandalinhas balançam dois palmos acima do solo. Também com os pés no ar, colegas de sala dela sentam com a mochila nas costas, para ficarem próximas à mesa. Outras estão em pé, para alcançar lápis e papel. "Elas são pequenas para ficar cinco horas aqui. Estão sempre inquietas, incomodadas. Depois do lanche, coçam o olho de sono. Umas dormem apoiadas na mesa", observa Maria, professora da turma. A cena, passada em uma escola municipal em Cidade Dutra (zona sul), exemplifica a má notícia da volta às aulas na rede pública de São Paulo, segundo docentes: não houve preparação para receber crianças de seis anos nas escolas de ensino fundamental, norma implementada neste ano na cidade. Até o ano passado, o antigo primário recebia alunos a partir dos sete. Lei federal determinou a antecipação da entrada para que os estudantes pobres tivessem mais um ano de escolarização (crianças na faixa do fundamental devem, obrigatoriamente, estar na escola). A ideia era que houvesse adaptação para receber as crianças mais novas, com carteiras adequadas, espaços como brinquedotecas e a criação de projeto pedagógico que mesclasse o início da alfabetização com atividades lúdicas.
Nada disso ocorreu na rede pública de São Paulo, segundo professores e diretores ouvidos pela Folha, presidentes das entidades que representam diretores dos colégios, educadores e um membro do Conselho Nacional de Educação. A lei, de 2005, havia dado cinco anos para implementação. Tanto o governo José Serra (PSDB) quanto a gestão do prefeito Gilberto Kassab (DEM) dizem que a adaptação do novo fundamental já começou, mas admitem que não foi finalizada. "As crianças reclamam que não têm parquinho, que têm de ficar cinco horas na sala de aula. As carteiras que atendem aos alunos da EJA [antigo supletivo] são as mesmas das dos de seis anos", diz João Alberto Rodrigues de Souza, do Sinesp (sindicato dos dirigentes da rede municipal). "Não houve capacitação dos professores. É para alfabetizar? É para focar na parte lúdica? Ninguém sabe", diz o presidente da Udemo (sindicato dos dirigentes da rede estadual), Luiz Gonzaga de Oliveira Pinto. Professor de escola estadual na zona sul, Batista conta que precisa levantar as crianças no colo para elas alcançarem os bebedouros. Elas também têm dificuldades para usar o banheiro.
"Verificamos a falta de adaptação em São Paulo e em boa parte do país", diz o presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari. "Muitas redes apenas transferiram a antiga primeira série [alunos de sete anos] para o primeiro ano". A gestão Kassab diz que a adequação do mobiliário iniciou em 2007, não foi concluída, mas todas escolas serão atendidas. Já o governo estadual afirma que "à medida das diferentes demandas da diretorias de ensino serão encaminhados equipamentos para as escolas". A prefeitura possui 55,5 mil alunos no novo primeiro ano. O Estado não informou o dado.




Mudança será concluída neste ano, dizem pastas

Folha de São Paulo, 26/02/2010 - São Paulo SP

DA REPORTAGEM LOCAL As secretarias estadual e municipal da Educação dizem que o processo de implementação do novo ensino fundamental já começou, mas não foi concluído. Em nota, o governo estadual afirma que "a implantação do ensino fundamental de nove anos iniciou-se na rede em 2009 e deve se completar em 2010". Diz ainda que já há proposta pedagógica. "Houve um texto preliminar que foi discutido e entregue aos professores coordenadores das oficinas pedagógicas das diretorias de ensino e supervisores de ensino responsáveis, em 2008. No documento consta, entre outras orientações, os novos conteúdos e expectativas de aprendizagem para o novo primeiro ano". O Estado diz ainda que o programa Ler e Escrever, já implementado na rede, contempla todo o processo de alfabetização. Não respondeu, porém, sobre formação específica para os docentes do novo primeiro ano. A rede municipal, também por nota, afirma que todas as escolas terão o mobiliário adaptado. Diz que aumentou os repasses diretos para as escolas, o que pode ser gasto em montagem de parques ou brinquedotecas. Pedagogicamente, diz, já organizou novas orientações curriculares. Os estudantes receberão cadernos de apoio e vídeos educativos, como o "Cocoricó". "Adicionalmente, está prevista a formação para cerca de 2.000 coordenadores pedagógicos e diretores da rede", afirma a nota. (FT)

Um retrato desanimador do ensino básico

> Folha Dirigida, 25/02/2010 - Rio de Janeiro RJ


Em 1978, em uma prova de redação de vestibular cujo tema era o "lazer", mais de 80% dos candidatos escreveram sobre os benefícios do "raio laser", uma novidade tecnológica da época. Esse era um dos primeiros passos de uma jornada que, segundo especialistas, demonstra o tortuoso caminho trilhado pela educação básica do país. Nas duas últimas décadas, a divulgação das ditas "pérolas" do vestibular — os trechos mais inusitados das redações — se tornou prática freqüente, decorrido algum tempo da correção das provas. Mais do que irreverentes, estas frases demonstram falta de respeito à norma culta da Língua Portuguesa, dificuldades na organização das idéias e lacunas na cultura geral dos vestibulandos. A prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem sido apontada como um "termômetro" para o nível da qualidade do ensino, uma vez que passou a ser considerada um passaporte para o ensino superior no país. Com seu novo modelo, se tornou, praticamente, um vestibular unificado para as instituições federais de ensino superior. Além disso, sua nota também é utilizada no Programa Universidade para Todos (Prouni), que oferece bolsas em instituições privadas para alunos de baixa renda.
E, no Enem 2009, realizado em dezembro do ano passado, não foi diferente. O tema "Aquecimento Global" inspirou aqueles que pretendem ingressar no ensino superior ou que buscam a sua certificação do ensino médio a produzirem construções bastante peculiares, como "A amazônia é explorada de forma piedosa (sic)", "Espero que o desmatamento seja instinto (sic)" ou "A emoção (sic) de poluentes atmosféricos aquece a floresta". Reitor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), padre Jesus Hortal argumenta que há muitos anos essa realidade se repete. O religioso revela que, em sua instituição, por exemplo, muitos candidatos são eliminados no vestibular porque não conseguem atender às regras mínimas exigidas na redação. "Muitos jovens não sabem redigir. Não são apenas erros de ortografia, falta concordância, as frases são truncadas e ficam sem sentido. Percebemos um conhecimento muito deficiente da Língua Portuguesa e também problemas na capacidade de raciocínio lógico dos concluintes do ensino médio", explica o reitor da PUC-Rio.
Na avaliação de padre Jesus Hortal, as "pérolas" indicam que os jovens não desenvolveram o hábito da leitura. "Talvez as condições atuais nos levem a dedicar menos tempo à leitura. O conhecimento da internet é superficial. Dificilmente alguém lê uma obra literária ou uma obra de cunho filosófico completa na internet", argumenta o educador. Para o reitor da PUC-Rio, a conseqüência desse processo é que muitos jovens ingressam no ensino superior sem condições de assimilar os conteúdos científicos. "Muitos jovens se tornam incapazes de assimilar conteúdos científicos que estão sempre em uma linguagem lógica rigorosa. Geralmente, esses estudantes ingressam em instituições de ensino superior de baixa qualidade. Em algumas delas, basta que os alunos freqüentem as aulas para receberem o diploma. E o que temos? Jovens mal formados que não conseguem boas colocações no mercado de trabalho. E boa parte destes universitários com formação deficiente ingressa nos cursos de Licenciatura, tornando-se professores", alerta padre Jesus Hortal. Professora da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Bertha do Valle também se preocupa com o futuro do magistério. De acordo com a educadora, é bem provável que algumas das "pérolas" do Enem 2009 tenham sido produzidas por futuros professores. Isto porque os cursos de Licenciatura foram procurados justamente por aqueles estudantes que obtiveram as notas mais baixas no Enem.
"Os resultados do Enem 2009 mostraram que os cursos de Licenciatura foram procurados por estudantes que tiraram as piores notas. Provavelmente, os autores dessas "pérolas" serão os professores do futuro. Eles escreverão errado no quadro e não terão condições de oferecer um ensino de qualidade a seus alunos", acrescenta a educadora. Bertha do Valle acredita que, apesar da universalização do acesso ao ensino, a educação básica não está cumprindo a sua função. "Esse tipo de redação indica que os concluintes do ensino médio não adquiriram as competências mínimas de leitura, de correção ortográfica. Um aluno não poderia chegar ao 6º ano do ensino fundamental cometendo os erros que os candidatos cometem ao final do ensino médio. Esses resultados são um diagnóstico da educação básica em nosso país", explica a docente. De acordo com ela, a falta de qualidade afeta tanto escolas públicas quanto instituições particulares. As raízes do problema vão desde a formação dos professores ao relacionamento entre a família e escola.
"Hoje, a escola atende a todos. Contudo, há problemas de qualidade tanto em escolas públicas quanto em particulares. Família e escola não se completam. Além disso, cobramos a mesma quantidade de conteúdos cobrados por outros países aonde os alunos ficam seis, oito horas, em horário integral na escola. Além disso, muitas vezes, faltam professores em várias disciplinas nas escolas públicas. E isso vira uma bola de neve que cresce até o final do ensino médio", observa a educadora. Nesse sentido, a professora cobra investimentos mais profundos na educação. "É preciso investir nas séries iniciais do ensino fundamental e dar melhores salários e condições de trabalho para o magistério. Caso contrário, teremos, cada vez mais, profissionais desqualificados nessa profissão. Esta é uma situação que se apresentou nos anos 70 e 80 e piora com o passar dos anos. E só conseguiremos reverter esse quadro a longo prazo. Mas precisamos começar já", assinala Bertha do Valle. Já o professor de Língua Portuguesa, Márcio Coelho, acostumado a corrigir redações de vestibulares e concursos, acredita que as "pérolas" têm origem em candidatos de regiões mais interioranas do país, que se distanciam consideravelmente do nível de atendimento e de qualidade dos grandes centros urbanos.
Com o caráter nacional da avaliação e as implicações do novo modelo, assinala o professor, as diferenças regionais se destacam. Na redação do Enem 2009, a média geral foi de 601,5 pontos, na escala até 1.000. Segundo o MEC, em relação ao ano anterior, houve ligeira melhora na nota: de 593,5 pontos, em 2008, para 601,5. "Na verdade, esses tipos de construções não são próprias de alunos que se preparam para o vestibular ou para o Enem. Elas devem ter sido feitas por pessoas que estão há muito tempo longe dos bancos escolares ou que vêm de áreas mais interioranas do país, aonde sabemos que o atendimento não acompanha o nível dos grandes centros", observa o docente, que leciona no Colégio Princesa Isabel, na Academia do Concurso e na Escola Naval.
Contudo, Márcio Coelho reconhece que boa parte dos jovens realmente têm preguiça de escrever e, em alguns casos, escrevem a primeira coisa que lhes passa pela cabeça. "Num colégio em que trabalhei, recebi uma redação de um aluno com um palavrão. Estava entre aspas, mas era um palavrão. E o aluno achou aquilo muito natural, pois para os jovens de hoje em dia, isso é natural. Situações como esta tornam as coisas complicadas. Já pude corrigir redações de vestibulares da UFF, da UFRJ e da Cesgranrio e vi coisas terríveis", revela o docente. Márcio aprova o tema da redação do Enem e recomenda que os estudantes escrevam, pelo menos, uma redação por semana. "O tema 'Aquecimento Global' é tratado nas aulas de Geografia, de Física e de Química, só para citar algumas. Os estudantes têm muita informação sobre o assunto. O que é preciso é a prática. Se os jovens escrevessem, pelo menos, uma redação por semana, seria ótimo. Contudo, é importante que o professor leia a redação junto com o estudante e lhe explique como foi feita a correção. Devemos desenvolver o espírito crítico dos jovens diante de seu próprio texto", conclui o professor.





32% dos jovens cogitam, mas só 2% tentam ingressar na carreira docente


Portal Aprendiz, 25/02/2010

Desirèe Luíse Enquanto 32% dos alunos do ensino médio consideraram seguir a carreira de professor, apenas 2% efetivamente vão prestar o vestibular para pedagogia ou alguma licenciatura. Os dados são da pesquisa “Atratividade da Carreira Docente no Brasil”, apresentada pela Fundação Carlos Chagas nesta quinta-feira (25/2), em São Paulo (SP). O estudo revelou que a visão negativa não é resultado da falta de identificação profissional ou pessoal com a docência, mas sim das más condições de trabalho a que o professor é submetido. De acordo com os alunos, o docente desempenha papel fundamental, sendo modelo formador de opinião na sociedade. No entanto, acreditam que o profissional é desvalorizado pelos próprios alunos, sociedade e governo. A pesquisa entrevistou 1,5 mil alunos do 3º ano do ensino médio de 18 escolas públicas e privadas do país. A pesquisadora da fundação e supervisora do estudo, Bernadete Gatti, disse que existe uma contradição entre o que os jovens pensam do “ser profissional” e o trabalho real do docente. “Para eles, ser professor é uma profissão bonita, mas o trabalho é encarado com limitações e dificuldades. Os alunos acham que para ser professor é preciso gostar muito do que faz, porque é algo pesado e frustrante”, revelou ela. Os alunos do ensino médio acreditam ainda que é preciso ter muita paciência para seguir a carreira. O estudo, encomendado pela fundação Victor Civita, apontou também as principais causas da desistência. Responsável por 40%, a baixa remuneração é um fator decisivo. A dificuldade que o professor é obrigado a passar no dia-a-dia também é outro fator relevante, 17% dos jovens lembram o desinteresse e desrespeito dos próprios alunos para com o professor em sala de aula.
Bernadete ressaltou a melhora nas políticas públicas para a educação como ponto central para melhorar o setor e, consequentemente, aumentar a atratividade da carreira. “Precisamos pensar em o que é valorizado neste modelo de educação atual, o que é oferecido ao profissional. É preciso estruturar planos de carreira que envolvam progressão e salários melhores. Assim, a docência será profissionalizante e atrativa. Reestruturar é um caminho longo, mas é preciso ter a visão clara de que esse profissional é o fundamento de uma nação”, concluiu a pesquisadora.