sábado, 25 de outubro de 2008

A origem do sucesso (e do fracasso) escolar

> Revista Nova Escola, Edição 216
De todos os fatores que influenciam a qualidade da escola, o professor é, sem dúvida, o mais importante. Por isso, a formação (inicial e continuada) faz tanta diferença - para o bem e para o mal. No Brasil, infelizmente, para o mal Thais Gurgel O jogo de dominó tem uma dinâmica peculiar: cada movimento leva a outro e completar a seqüência sobre a mesa (como nas imagens que ilustram esta reportagem especial) ou derrubar as peças depende dessa reação em cadeia para funcionar. Essa representação vale, de forma metafórica, para a qualidade da Educação. Para atingi-la, ou seja, garantir a aprendizagem de todos os alunos, é preciso começar com uma "jogada" que define todo o processo: a formação inicial dos professores. Se ela for boa, todos saem ganhando. Se, no entanto, ela for ruim...
Há um ano, NOVA ESCOLA publicou o resultado de uma pesquisa que mostrava que 64% dos educadores brasileiros avaliam o curso em que se graduaram como excelente ou muito bom, mas 49% dizem que esse mesmo curso não os preparou para a realidade da sala de aula. Ou seja, não é tão bom quanto deveria - afinal, a finalidade do trabalho docente é justamente ensinar. Para entender melhor essa questão, foi encomendada uma nova pesquisa, dessa vez à Fundação Carlos Chagas. A análise de 71 currículos de cursos oferecidos por instituições de ensino públicas e particulares de todo o Brasil aponta para um descompasso preocupante entre o que as faculdades de Pedagogia oferecem aos futuros professores e a realidade encontrada por eles nas escolas. "Há uma ênfase muito grande nas questões estruturais e históricas da Educação, com pouquíssimo espaço para os conteúdos específicos das disciplinas e para os aspectos didáticos do trabalho docente", resume Bernardete Gatti, diretora de pesquisas da Fundação Carlos Chagas e coordenadora do estudo, que é apresentado em primeira mão nesta edição (confira no quadro abaixo alguns dos principais indicadores do trabalho). "As universidades parecem não se interessar pela realidade das escolas, sobretudo as públicas, nem julgar necessário que seus estudantes se preparem para atuar nesse espaço", diz ela. Repensar a realidade - Para entender esse cenário, NOVA ESCOLA dividiu esta reportagem em mais quatro blocos. Na página 32, o ministro da Educação, Fernando Haddad, explica por que a questão passou a ser prioritária para o Ministério e conta que planeja lançar, ainda no mês de outubro, o Sistema Nacional de Formação do Magistério, para estimular as universidades públicas a criar cursos mais voltados para o exercício da profissão. "É possível e necessário atrair os jovens mais brilhantes para a carreira docente", acredita ele. Na página 50, você encontra um panorama da formação inicial no Brasil. Descobre, ainda com base nos dados da análise feita pela Fundação Carlos Chagas, que apenas 28% das disciplinas dos cursos de Pedagogia abordam o "quê" e o "como" ensinar - e por que essa falta de conhecimento didático está na raiz do fracasso escolar brasileiro.
Em seguida, repórteres que acompanharam as melhores experiências de formação continuada mostram por que a maior parte dos programas que levam esse nome não passa, na verdade, de tentativas de remendar os furos deixados pela má qualidade dos cursos de graduação. "Faltam programas contínuos, de longa duração, e principalmente a capacitação dentro da própria escola, sob a liderança do coordenador pedagógico", afirma César Géglio, especialista no tema, no texto que começa na página 54. Finalmente, na página 58, estão os caminhos adotados pelos países que mais se destacam nas avaliações internacionais de desempenho - e de que maneira a experiência deles pode nos inspirar na busca por uma Educação com mais qualidade. Em comum, todos investem na formação docente por saberem que é ela que pode dar início a uma reação em cadeia que leve ao resultado desejado. Descompasso entre o curso e a escola O raio X da Pedagogia Número de cursos* 1.562 (7% do total do país) Número de alunos* 281 mil (6% do total no país) Evasão* 24%** (13 pontos percentuais maior que a média nacional) Concluintes* 62.044
O que mostra a pesquisa
Pouco valor à prática - Apenas 28% das disciplinas do currículo tratam sobre o "quê" e "como" ensinar. Segmentos desvalorizados - Somente 11% das disciplinas se referem a modalidades de ensino, como Educação de Jovens e Adultos ou Educação Infantil. Currículo sem foco - Não há clareza sobre os conhecimentos básicos para a formação do professor: 56% das disciplinas são oferecidas por apenas uma instituição. Estágio pro forma - Os estudantes apenas observam aulas nas escolas, sem orientação adequada e conhecimentos sobre didáticas específicas. Longe da realidade - A palavra "escola" é citada em 8% das ementas de disciplinas, mostrando que a universidade está alheia à sala de aula. Seleção ineficiente - Nos concursos públicos, apenas 31% das questões tratam do "quê" e "como" ensinar.***
Fonte INEP * Em 2006 ** Estimativa com base em dados do Inep *** O dado se refere à pesquisa com base em 35 concursos distribuídos por todo o país
Voltar> Revista Nova Escola, Edição 216 Ao mesmo tempo, tão perto e tão longe O currículo dos cursos de Pedagogia, principal entrada na profissão, não contempla o "quê" e o "como" ensinar nem prepara para a realidade escolar, revela pesquisa da Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA Thais Gurgel O professor, por excelência, é o profissional que sabe ensinar e tem domínio sobre os conteúdos que leciona. Aparentemente óbvios, esses preceitos infelizmente não se confirmam no dia-a-dia, e a maior causa disso é a formação inicial. O curso de Pedagogia, que deveria garantir a competência de quem leciona na Educação Infantil e nas primeiras séries do Ensino Fundamental, forma profissionais despreparados para planejar, ensinar e avaliar. O resultado é a péssima qualidade da Educação no país. Um curso que tem como missão formar profissionais tão diversos como professores de diferentes segmentos, além de coordenadores pedagógicos, gestores, supervisores de ensino e pesquisadores, não tem como prioridade no currículo o "quê" e o "como" ensinar determinadas faixas etárias. Segundo a pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA, apenas 28% das disciplinas dos cursos ministrados em todo o país se referem à formação profissional específica - 20,5% a metodologias e práticas de ensino e 7,5% a conteúdos.
"Muitos dos futuros educadores não dominam esses conteúdos, e cabe à faculdade considerar os conhecimentos dos ingressantes e suprir essas lacunas", diz Gisela Wajskop, doutora em Educação e diretora do Instituto Superior de Educação de São Paulo - Singularidades. Na Argentina, um país reconhecido por desenvolver de forma articulada a investigação didática e projetos de formação docente, as disciplinas do currículo voltadas a "o quê" e "como" ensinar correspondem a 65,2% do currículo do curso.
No Brasil, grande parte da carga de matérias da Pedagogia - 42% do total - é voltada para o funcionamento dos sistemas educacionais e os fundamentos da Educação (História, Psicologia da Educação etc.). Uma boa base teórica em humanidades é fundamental, mas não o suficiente (leia os depoimentos nesta página e nas seguintes). "A graduação deve ajudar os professores a se servir de conhecimentos teóricos para ref letir sobre o cotidiano - o que não acontece hoje", afirma Elisabete Monteiro, da Universidade do Estado da Bahia (Uneb). A formação de professores no Brasil

1939 - O curso de Pedagogia é regulamentado. Os bacharéis podem atuar na administração pública e na área de pesquisa. Os licenciados, com um ano de estudos em Didática e Prática de Ensino, podem lecionar no ginasial. 1961 - Cria-se um currículo mínimo para o bacharelado em Pedagogia, com sete disciplinas determinadas pelo Conselho Federal de Educação, além de outras duas abertas, definidas a critério das próprias instituições de ensino. 1962 - O estágio supervisionado e o currículo da licenciatura em Pedagogia são regulamentados. O curso passa a ter entre as disciplinas obrigatórias Psicologia da Educação e Didática e Prática de Ensino. 1968 - É aprovada a Lei da Reforma Universitária, que possibilita aos cursos de Pedagogia oferecer as habilitações Inspeção Educacional, Administração, Orientação e Supervisão Escolar e Magistério. 1969 - Acaba a divisão entre licenciatura e bacharelado na Pedagogia. As instituições são obrigadas a formar no mesmo curso os professores que vão lecionar nas Escolas Normais e os "especialistas", como supervisores e inspetores. 1971 - A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) unifica o Ensino Médio, antes dividido em Clássico, Científico e Normal. A Escola Normal passa a se chamar Magistério e os que nela se formam mantêm o direito de lecionar da 1ª à 4ª série. Raízes históricas A história da formação docente no país ajuda a entender a ênfase do curso de Pedagogia, em fundamentos da Educação (leia a linha do tempo abaixo). Desde antes da República, os professores primários eram colocados no mercado pelas Escolas Normais de nível médio e assim permaneceu após a criação do superior de Pedagogia, que tinha como foco preparar especialistas e pesquisadores em Educação, mas nada relacionado à prática. Essa trajetória voltada para as humanidades fez surgir um impasse quando, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, ficou definido que em dez anos o diploma do Normal médio não seria mais suficiente para lecionar e que Institutos Superiores de Educação (ISEs) e Escolas Normais Superiores formassem professores da Educação Básica com foco na prática docente. "Houve um embate entre os ISEs e as faculdades de Pedagogia, que também lutavam por esse mercado", explica Bernardete Gatti, coordenadora do departamento de pesquisas educacionais da Fundação Carlos Chagas. Essas últimas levaram a melhor e os ISEs se adaptaram ou fecharam. As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, de 2006, não ajudaram a definir o que se espera do curso. O resultado é um currículo fragmentado, como mostra a pesquisa. Nos 71 currículos analisados, foram identificadas 1.968 disciplinas diferentes sem correspondente em nenhuma outra instituição. A prática de sala de aula está em segundo plano no currículo. "As faculdades de Pedagogia não discutem os problemas da escola, só os tangenciam", diz Bernardete. "Há que levar em conta que muitos docentes universitários nunca lecionaram na Educação Básica", acrescenta. "Mesmo os poucos pós-graduandos que estudam práticas de ensino não levam para a rede o que defendem na teoria", diz Estela Giordani, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul. Essa distância da realidade escolar se evidencia na análise das ementas dos cursos de Pedagogia na pesquisa: apenas 8% delas citam a palavra "escola".
Mais ausentes ainda das faculdades de Pedagogia estão as didáticas específicas: saberes que tratam da interação entre professor, aluno e objeto de estudo, ou seja, as relações de ensino e aprendizagem de cada conteúdo para cada faixa etária. A proposta é que, pela reflexão, se abram novos caminhos para a prática docente e se evite a simples reprodução do modo de ensinar conhecido na infância e na universidade. "Os professores precisam produzir respostas próprias, e não ‘inventar’ o que já se sabe", afirmou Delia Lerner em entrevista à NOVA ESCOLA, em setembro de 2006. A formação de professores no Brasil
1982 - Surgem os Centros Específicos de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério (Cefams), criados pelo governo federal para aprofundar a formação de professores em nível Médio com carga horária em período integral. 1986 - O Conselho Federal de Educação cria uma resolução que permite aos cursos de Pedagogia, além de formar os técnicos em Educação, oferecer habilitação para a docência de 1ª a 4ª série, antes limitada ao Magistério em nível Médio. 1996 - Com a nova LDB, institui-se a exigência de nível superior para os professores da Educação Básica. Redes públicas e privadas e profissionais da Educação têm prazo de dez anos para se adaptar à nova legislação. 1997 - O ano marca o início de uma disputa: de um lado, Institutos Superiores de Educação e Escolas Normais Superiores e, do outro, Faculdades de Pedagogia. Professores de 1ª a 4ª série são formados sem diretrizes claras. 2003 - O Conselho Nacional de Educação emite resolução e nota de esclarecimento confirmando a obrigatoriedade do diploma em nível superior para a docência na Educação Infantil e séries iniciais, o que já fora instituído na LDB de 1996. 2006 - Saem as Diretrizes Nacionais para a Pedagogia, de caráter vago. E as Diretrizes Nacionais da Educação delegam ao curso a formação de professores de 1º a 5º ano, Educação Infantil, Ensino Médio na Modalidade Normal e EJA. FONTES HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DOCENTE NO BRASIL: TRÊS MOMENTOS DECISIVOS, DE DERMEVAL SAVIANI, E DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA
Modalidades de ensino Os formados em Pedagogia podem atuar em diferentes segmentos: Educação Infantil, séries iniciais, Educação de Jovens e Adultos (EJA) e em contextos não escolares, como organizações não-governamentais. Para dar conta de tão diversas modalidades de ensino, o curso tem apenas 11% das disciplinas. Para o trabalho com crianças de até 5 anos, segundo a pesquisa, há em média apenas duas disciplinas. Cerca de 29% das universidades federais e 11% das privadas não oferecem matérias relacionadas ao segmento. A situação não é menos crítica em relação à EJA, abordada em 1,5% das disciplinas. "As especificidades da prática nas diferentes modalidades de ensino são tratadas de forma insuficiente e isso é percebido quando os formados chegam à sala de aula", diz Elisabete Monteiro, da Uneb. Se a ênfase da graduação não está na prática profissional, ao menos nos estágios obrigatórios os futuros mestres poderiam se ver inseridos no ambiente escolar. Propostas consistentes de estágio, porém, ainda não estão presentes no curso. Hoje, a lei manda que o estudante de Pedagogia cumpra no mínimo 300 horas de estágio em instituições de ensino: nada mais fica claro sobre como deve ser essa experiência, fundamental para o educador. A observação seguida de relatório é a atividade cumprida com mais freqüência pelos estagiários. Poucas vezes, no entanto, eles são suficientemente orientados sobre como relacionar o que foi visto em aula à teoria estudada na faculdade. É freqüente, assim, que eles vejam de forma pouco crítica a prática dos educadores com que tomam contato e, se identificam problemas, não conseguem propor soluções. O choque com o cotidiano costuma ser a tônica dessa etapa. "Cria-se ao longo do curso um modelo idealizado de ensino e desconstruí-lo é difícil", diz Estela Giordani, da UFSM.
Para enfim vivenciar como profissional a realidade da rede pública de ensino, o formado em Pedagogia muitas vezes presta um concurso público. Dados obtidos na pesquisa da Fundação Carlos Chagas demonstram que 57,1% dos editais não trazem bibliografia. A análise das que foram encontradas demonstra que o conhecimento exigido de quem leciona de 1º a 5º ano em redes estaduais e municipais está bem próximo do curso oferecido pelas faculdades de Pedagogia. As leituras pedidas sobre "o quê" e "como" ensinar nas provas correspondem a 32% do total, enquanto aspectos gerais da Educação, legislação e currículo somam 63%.
Maria Auxiliadora Seabra Rezende, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação, aponta para a necessidade de diretrizes que dêem a estados e municípios suporte para a realização das provas de seleção. O ideal, de acordo com ela, seria que os concursos trouxessem questões mais relacionadas à sala de aula, criando uma demanda para as próprias faculdades de Pedagogia. Alguns estados tentam aproximar a escola do ensino superior, mas esbarram na autonomia universitária. "A universidade precisa se conscientizar de seu papel para que a Educação avance", conclui Maria Auxiliadora. A boa graduação Segundo os especialistas, o curso de Pedagogia eficiente...
Valoriza as didáticas específicas Esses saberes devem ter destaque, pois são eles que dão a base para um ensino que garanta a aprendizagem das crianças. "Só com a apropriação do conhecimento didático - baseado em pesquisa sobre a prática docente - é possível instrumentalizar o profissional para ensinar bem História, Ciências ou qualquer outra disciplina", diz Gisela Wajskop. (Em novembro, NOVA ESCOLA vai trazer reportagem sobre como o conhecimento didático é produzido e aproveitado em classe.)
Promove estágios supervisionados A primeira experiência em sala de aula é um importante campo para a reflexão sobre a prática e deve ocorrer ao longo do curso. Na Argentina, o estágio é marcado pela forte interação entre a escola e a instituição formadora. Em Buenos Aires, por exemplo, existe o "maestro orientador" - o titular de sala que acompanha o futuro profissional durante sua experiência na rede.
Ensina a planejar, avaliar e registrar Para promover a aprendizagem, é necessário saber planejar as aulas, avaliar o trabalho, reorientar os próximos passos e colocar tudo no papel. "A escrita de projetos, relatórios e textos acadêmicos também faz parte da rotina docente - embora ainda esteja longe dos currículos", diz Magdalena Viviani Jalbut, coordenadora do Instituto Superior de Educação Vera Cruz, em São Paulo.
Contempla os segmentos de ensino Dar mais peso às características dos segmentos assegura a competência para atuar em cada um deles. "Com informações sobre o ambiente educacional, é possível organizar o espaço e o tempo em sala de aula, determinar os conteúdos a ensinar e escolher como trabalhá-los com cada aluno", afirma Magdalena.
Voltar> Revista Nova Escola, Edição 216 Não basta (só) tapar os buracos Nas redes públicas, faltam programas preocupados, de fato, com a continuidade da capacitação docente Ana Rita Martins, colaboraram Arthur Guimarães, Beatriz Levischi, Denise Pellegrini, Gustavo Oliveira, Julia Browne e Maria Slemenson Em tese, a formação continuada tem a função de proporcionar ao professor a atualização com as mais recentes pesquisas sobre as didáticas das diversas áreas, além de reflexão sobre a prática. Isso pode se dar no trabalho pedagógico realizado na própria escola e por meio de programas oferecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e pelas secretarias estaduais e municipais de Educação. Em 2007, o MEC alocou 52 milhões de reais para programas desse tipo. As secretarias também investem na capacitação docente - só a rede estadual de São Paulo, a maior do Brasil, destinou no ano passado 115 milhões para o setor. No entanto, em virtude da deficiência de formação inicial dos professores, em muitas dessas ações é necessário abordar temas que já deveriam ter sido aprendidos na universidade. O problema não pára por aí. Sem critérios bem definidos para a implementação dos programas, acabam sendo oferecidos, a título de formação continuada, cursos de curta duração, palestras e seminários que não têm o poder de acompanhar a evolução do professor nem de mudar a forma como ele trabalha. Paulo César Géglio, doutor em Educação e autor de tese sobre o tema, afirma que é fundamental explicitar o que é formação continuada: "O próprio nome já diz que é um trabalho contínuo. Intervenções pontuais não devem ser chamadas assim. O que contam são os programas de longa duração e, principalmente, a formação na escola, feita com o coordenador pedagógico". Com a implementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), em 1998, e sua posterior substituição pelo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), em 2008, as redes tiveram mais recursos à disposição, o que levou ao aumento na demanda por formação continuada. "Não são raras, porém, as secretarias que procuram programas apenas para gastar recursos e cumprir agendas", salienta Carlos Moreira, mestre em Educação e autor de livros sobre o tema. "Os programas do governo federal, de estados e de municípios geralmente não se focam no que o educador mais precisa, que são os conhecimentos sobre as didáticas de cada disciplina." Ações focadas e para todos Quando o programa é definido nos gabinetes, sem atrelar os objetivos aos conhecimentos de que o professor precisa, os resultados não aparecem na aprendizagem dos estudantes. Algumas redes, no entanto, já começam a determinar grandes temas a serem abordados de acordo com avaliações. São Paulo, por exemplo, atrelou a escolha das capacitações aos resultados do Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo. Uma das reclamações mais recorrentes de quem participa de programas desse tipo é a de que os conteúdos ensinados não se relacionam às situações de sala de aula (leia os depoimentos nestas páginas e na próxima). Segundo Paulo César Géglio, o professor precisa ter acesso às pesquisas das didáticas específicas para, então, adaptá-las ao seu cotidiano. Os programas, portanto, não podem se basear somente em fundamentos, como História e Sociologia da Educação ou Desenvolvimento Infantil - que, aliás, já foram vistos na universidade e não fazem diferença para quem tem à frente uma sala com mais de 30 crianças a serem alfabetizadas, por exemplo (veja o quadro, na página 57, sobre os pontos necessários para uma formação continuada de qualidade). Outros pontos fundamentais para o sucesso dessa política são analisar constantemente a evolução dos educadores e envolver a equipe completa de cada escola nos programas. Designar somente alguns membros para participar com a tarefa de serem multiplicadores nem sempre dá certo, já que formar outros docentes também é uma competência que precisa ser desenvolvida. Por isso, a atualização constante é fundamental também para os formadores - que têm necessidades diferentes das de quem está em sala de aula. Um mesmo curso, assim, nunca é adequado para ambos. Cabe ao formador saber como o professor aprende para poder ensiná-lo e estimulá-lo a ref letir sozinho e com os colegas. Ele precisa ainda estar a par do que acontece na sala de aula, buscar textos desafiadores, apresentá-los e discuti-los à luz das didáticas.
O trabalho no horário coletivo - A atividade desenvolvida por coordenadores pedagógicos durante o horário coletivo é a iniciativa que apresenta resultados mais efetivos. Com base na demanda dos docentes e na evolução dos estudantes, cabe a esses profissionais definir estratégias de atuação. Parte dos estados brasileiros garante pelo menos um coordenador pedagógico em cada escola, mas isso não significa que eles estejam necessariamente formando a equipe. "Infelizmente, nem sempre os coordenadores foram capacitados e sabem como fazer esse trabalho, o que é um passo para se desincumbirem da tarefa", alerta Regina Scarpa, coordenadora pedagógica da Fundação Victor Civita. Em estados como Pernambuco e Paraíba, por exemplo, apenas 50% das escolas contam com esse profissional que mostra o levantamento feito por NOVA ESCOLA sobre coordenadores e horário coletivo nas redes estaduais e municipais das capitais). Sem ele, o planejamento e o constante aprimoramento dos educadores não existem ou são feitos no improviso. Para Telma Weisz, consultora da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, é preciso dar condições para que a escola desenvolva uma formação continuada eficiente. "Isso inclui um planejamento sério, o envolvimento das secretarias, coordenadores e o horário de trabalho pedagógico, do qual deve participar toda a equipe." O tema tem sido alvo de debates recentes, desde que foi aprovada a lei do piso salarial que estabelece um terço do tempo de trabalho do professor para essa atividade. Estados como Paraná e Rio Grande do Sul e capitais como Recife e Cuiabá ainda reservam só 20% das horas de atividade docente para isso. Enquanto a qualidade da graduação não melhorar, os programas das Secretarias e o trabalho pedagógico em cada escola deverão ser articulados visando melhores resultados. "Temos hoje a formação continuada que é possível e necessária", diz Bernardete Gatti, coordenadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas. O ideal seria que os formados em Pedagogia aprendessem os conhecimentos didáticos nas universidades e, na formação continuada, se aprofundassem nesse estudo. "Não existe essa diretriz e, enquanto não mudarmos isso, continuaremos convivendo com os resultados pífios de nossos alunos." A estrutura das redes Estados: Escolas com coordenador pedagógico - Tempo destinado à hora-atividade Acre - 100% - 30% Amazonas* - 100% - 25% Ceará - 100% - 25% Distrito Federal - 100% - 25% Goiás - 100% - 30% Mato Grosso - 100% - 33% Minas Gerais - 100% - 33% Paraíba - 50% - 25% Paraná - 100% - 20% Pernambuco - 50% - 25% Piauí - 100% - 20% Rio de Janeiro - 69,2% - 25% Rio Grande do Sul - 68% - 20% Roraima - 100% - 20% Santa Catarina - 100% - 20% São Paulo - 100% - 20% Tocantins - 97% - 20%
*Não há um coordenador por escola. A função é exercida pelas coordenadorias de cada distrito
Capitais Escolas com coordenador pedagógico - Tempo destinado à hora-atividade Belo Horizonte, MG - 100% - 20% Belém, PA - 100% - 25% Boa Vista, RR - 100% - 33% Cuiabá, MT - 100% - 20% Florianópolis, SC - 77% - 30% Goiânia, GO - 100% - 43% João Pessoa, PB - 100% - 25% Natal, RN - 100% - 33% Palmas, TO - 100% - 20% Porto Alegre, RS - 100% - 25% Recife, PE - 95% - 20% Rio Branco, AC - 100% - 25% Rio de Janeiro, RJ - 87% - 25% Vitória, ES - 100% - 25%
Fontes: Secretarias Municipais e Estaduais de Educação os estados de Alagoas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio Grande do Norte e Rondônia e Sergipe e as cidades de Aracaju, Campo Grande, Curitiba, Fortaleza, Macapá, Maceió, Manaus, Porto Velho, Salvador, São Luís, São Paulo e Teresina não enviaram as informações solicitadas no prazo combinado com NOVA ESCOLA.
Muitas redes buscam parcerias com as universidades para implementar programas de aprimoramento para seus quadros. Se os cursos de Pedagogia não formam profissionais que sabem ensinar - como concluiu a pesquisa feita pela Fundação Carlos Chagas para NOVA ESCOLA, a formação continuada não repete apenas os mesmos erros da inicial? "Sim, muitas vezes é o que acontece", admite Maria do Pilar Lacerda, secretária da Educação Básica do Ministério da Educação. "Precisamos ref letir sobre isso para ter uma formação continuada mais eficiente." A boa formação continuada Para que seja assegurada aos professores a oportunidade de aprimorar seu trabalho, é necessário que os programas conjuguem uma série de fatores. As iniciativas citadas a seguir comprovam que a capacitação em serviço...
Conhece a realidade local Consultar os professores durante o planejamento da formação torna os estudos mais coerentes e focados nas reais necessidades da rede. O programa Escola que Vale - uma parceria entre a Fundação Vale do Rio Doce, prefeituras municipais e o Centro de Educação e Documentação para Ação Comunitária - organiza os cronogramas de estudos nas localidades onde atua, como Serra Pelada, a 800 quilômetros de Belém, depois de conversar com os docentes e entender suas necessidades.
Usa formadores experientes Quem já lecionou para um determinado nível de ensino tem mais facilidade para entender os dilemas vividos por quem está nessa posição. E isso faz toda a diferença. No Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita, da Universidade Federal de Minas Gerais, a maioria dos formadores é composta de professores da rede municipal de Belo Horizonte. O resultado é que eles falam a mesma língua que os participantes do programa - e conseguem se fazer entender melhor.
Valoriza o contexto profissional Diferentes profissionais têm expectativas e objetivos diversos ao participar de uma formação. Por isso, é essencial agrupá-los de acordo com a área de atuação, o que torna as discussões mais aprofundadas. Na Secretaria de Educação do Estado do Paraná, isso já é realidade. Nas escolas, a grade de horários é organizada de forma a permitir que os professores de cada disciplina tenham um mesmo dia da semana sem aulas. Assim, podem se reunir para estudar durante o horário coletivo na escola e participar dos programas da Secretaria.
Prevê estudo contínuo e para todos O ciclo de aprendizado funciona bem quando todos se aperfeiçoam. A atualização constante de toda a equipe pedagógica da rede faz parte do Projeto Chapada, promovido pelo Instituto Chapada de Educação e Pesquisa. Em Boa Vista do Tupim, a 318 quilômetros de Salvador, professores, coordenadores e diretores aprendem sempre. Formadores e seus tutores também se mantêm estudando para garantir bons resultados na rede.
Ajuda a formar novos quadros A escola jamais deve formar seus professores apenas com a ajuda de programas externos. O estudo contínuo durante o horário de trabalho pedagógico é necessário para desenvolver o potencial formativo da própria equipe escolar. O programa Além das Letras, do Instituto Avisa Lá, incentiva essa autonomia. O município de Umuarama, a 580 quilômetros de Curitiba, passou pela formação e, além de se responsabilizar pela própria equipe, passou a tutorar um município vizinho: Xambrê.
Tem foco no conhecimento didático Para que a criança avance, o professor precisa saber o "quê" e o "como" ensinar. Esse conhecimento didático inclui uma série de intervenções de ensino, comprovadas por pesquisas. No Grupo de Estudos sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação, de Porto Alegre, os formadores ensinam os educadores a detectar o nível de aprendizado em que cada estudante se encontra e discutem intervenções para lidar com a diversidade da classe.
Voltar> Revista Nova Escola, Edição 216 Eles podem inspirar a busca por soluções Nos países que contam com os melhores sistemas educacionais a valorização da profissão docente é a chave para garantir a qualidade Ana Rita Martins, Beatriz Santomauro e Rodrigo Ratier Como os países com os melhores sistemas educacionais do planeta conseguiram esse feito? Em busca de respostas a essa pergunta, um recente estudo da consultoria americana McKinsey, chamado Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo, identificou as medidas que levam esse seleto grupo de nações aos lugares mais altos nos rankings dos exames internacionais. As descobertas foram sintetizadas em quatro lições: selecionar os melhores professores, cuidar da formação docente, não deixar nenhum aluno para trás e capacitar equipes de gestores. Com exceção dessa última medida, relativa à importância da liderança escolar, as outras três confirmam algo que inúmeros estudos anteriores já apontavam: a qualidade do professor é a característica que mais influencia a aprendizagem. Não por acaso, a receita dos sistemas de sucesso não abre mão de um ingrediente básico: estímulo contínuo à formação docente completa e de qualidade, seja ela inicial ou continuada. Mesmo países com desempenho intermediário nos exames internacionais - caso de Reino Unido e Estados Unidos - colheram bons resultados nas vezes em que decidiram apostar nessa receita. Para entender como também nós podemos avançar na área, NOVA ESCOLA investigou como Coréia do Sul, Finlândia e Japão, países considerados modelos em Educação, preparam seus educadores. E, nos depoimentos de três deles, é possível conferir como é trabalhar em lugares que tratam o professor como prioridade. Faculdade que forma O relatório da consultora McKinsey é taxativo: o conhecimento do docente e sua atuação em sala de aula são decisivos para o desempenho da turma (confira no gráfico da página ao lado os resultados de uma pesquisa sobre o tema no estado americano do Tennessee). A constatação só aumenta a importância da formação inicial, que passa a ter uma dupla função: recrutar os melhores profissionais e garantir que eles adquiram conhecimentos relevantes para a prática.
Na Coréia do Sul, os futuros professores do Ensino Fundamental são selecionados entre os 5% dos alunos com melhor desempenho no Ensino Médio. Como os salários da carreira são bons e as vagas em universidades são poucas - apenas 6 mil por ano (leia mais no quadro da página 61) -, a concorrência é grande. Os candidatos só garantem um lugar na graduação após terem seu histórico escolar avaliado e tirarem pontos altíssimos em uma prova. Contam também para a seleção o conhecimento em línguas e Matemática e as habilidades de comunicação, básicas para quem ensina. O número de alunos que freqüentam os cursos superiores atende apenas à demanda para que todos tenham um trabalho garantido. Concluir essa etapa da formação também não é fácil. São quatro anos em período integral, com estágios em escolas que funcionam dentro da universidade, onde os futuros professores são acompanhados por tutores. Terminada a graduação, é hora de fazer o mestrado - uma formação obrigatória para lecionar. No dia-a-dia, o educador é avaliado constantemente por diretores ou outros professores durante reuniões semanais. A estrutura também é digna de um país com altíssimo desenvolvimento tecnológico: salas equipadas com telões de plasma, televisões e computadores com acesso à internet. Ensinar para todos - "Qualidade para todos e para cada um." Se existe um país que segue esse preceito à risca é a Finlândia. Além de ocuparem os primeiros postos nos exames do Pisa, os finlandeses ostentam o recorde de escolas com menor variação de notas entre as 57 nações avaliadas. Os grandes responsáveis por essa performance notável são os programas de apoio aos alunos com dificuldade de aprendizado. E, claro, professores preparados para a tarefa de ensinar para todos, respeitando a diversidade e o ritmo de cada estudante. O "milagre" finlandês atende pelo nome de Educação Especial, que se divide em duas modalidades de ensino. A primeira, que atende cerca de 8% dos estudantes, é organizada para auxiliar aqueles com deficiências físicas, mentais ou emocionais mais graves. A segunda, freqüentada por um em cada três alunos, é um reforço no contraturno para quem tem dificuldades leves de adaptação ou de aprendizado, especialmente em línguas e Matemática. Essa iniciativa é concentrada nos primeiros dois anos da Educação Básica, para garantir que os fundamentos sejam bem aprendidos por todos. Ao longo da vida escolar, cerca de 20% das crianças e dos jovens passam pelas aulas suplementares no contraturno, índice muito acima da média internacional, de 6%.
Professores das duas modalidades de Educação Especial são muitos: há um deles para cada sete educadores regulares. Esses profissionais passam por uma formação diferenciada: freqüentam um curso universitário específico, que dura cinco anos em período integral. Além dos assuntos tradicionais da formação docente, o currículo inclui estudos específicos para a tarefa de ensinar quem tem mais dificuldade: Aspectos Neurocognitivos da Aprendizagem, Desafios da Compreensão e Sociedade, Deficiência e Educação são algumas das disciplinas. Ao todo, cerca de 30% da carga horária é dedicada a esses temas. Na prática, a formação cuidadosa é completada por uma rede de apoio ao professor, que tem à disposição uma equipe de psicólogos, psicopedagogos e consultores para ajudá-lo a resolver os problemas da sala de aula. Aprender sempre - Entretanto, não basta recrutar os melhores professores e formá-los bem. É preciso mantê-los sempre atualizados. Mentoria, trabalhos em grupo, cursos sobre as didáticas específicas... Existem várias maneiras de criar e disseminar as melhores estratégias de ensino. O impacto dessas iniciativas na aprendizagem costuma ser direto - e rápido. Em apenas três anos, o Reino Unido conseguiu o aumento de 12 pontos percentuais nos índices de alfabetização ao apostar na formação continuada de seus educadores. O Japão, um dos países mais avançados nessa área, sabe disso. Lá, a formação não acaba nunca: políticas públicas garantem que os professores ganhem novos conhecimentos até o dia de sua aposentadoria. O modelo nipônico mescla diversos tipos de atividades. Os cursos formais são obrigatórios - cada professor precisa fazer pelo menos um por ano. No primeiro, segundo, terceiro, sexto e 12º ano de docência, os educadores freqüentam cursos sugeridos pelo coordenador pedagógico da escola, que analisa quais as necessidades a serem supridas. Nos outros anos, é a vez de os próprios professores escolherem os cursos fornecidos pelo governo.
Também existem iniciativas especialmente voltadas para a formação em serviço. Docentes iniciantes, por exemplo, participam de um programa de treinamento em que, além de trabalhar em tempo integral em escolas, são acompanhados por professores-monitores durante dois dias por semana. A iniciativa recebe apoio dos educadores porque o objetivo não é avaliar a atuação dos novatos, mas ajudá-los a desenvolver seu potencial. Outra opção é o estímulo às atividades em equipe. É comum os docentes elaborarem, planejarem seu material didático juntos, assim como visitarem a sala de aula dos colegas para observarem seu trabalho. Se a realidade brasileira ainda parece (e é) muito distante desses exemplos, um bom estímulo é saber que existem caminhos e diversos casos de sucesso. E que uma longa caminhada sempre começa com um primeiro passo. A distância que separa o Brasil dos melhores Se as histórias de valorização docente e apoio profissional apresentadas nesta reportagem parecem muito distantes da nossa realidade, os números também não deixam dúvida: ainda existe um abismo separando o Brasil das nações de ponta. Algumas estatísticas ajudam a dimensionar o tamanho da diferença. Formação inicial Taxa de abandono Coréia do Sul - 0% Brasil - 24%
Enquanto aqui a graduação em Pedagogia patina nos altos índices de abandono, a situação nos sistemas de bom desempenho é outra. Na Coréia do Sul, por exemplo, a formação de professores é realizada por apenas 13 instituições, selecionando apenas os melhores e abolindo a evasão.
Conhecimentos sobre a formação profissional específica Carga horária sobre conteúdos e didáticas da Educação Básica Finlândia - 1.971 horas* Brasil - 839 horas*
Ao comparar o currículo do curso de Pedagogia do Brasil com o da Universidade de Helsinque, uma das principais instituições formadoras de professores da Finlândia, fica evidente a diferença de atenção dada aos conteúdos e às didáticas da Educação Básica. No país nórdico, a carga horária relacionada a "quê" e "como" ensinar é mais do que o dobro da brasileira.
Formação Continuada Porcentagem dos professores da rede atendidos Japao - 100% Brasil - 90%
A comparação, dessa vez, opõe o Japão, um dos bons exemplos em formação permanente, e São Paulo, uma das redes estaduais que mais investe em capacitação no Brasil, de acordo com levantamento realizado por NOVA ESCOLA. Mesmo nesse caso, os números são favoráveis aos japoneses. Tudo indica que a diferença aumenta ainda mais na comparação com outros estados.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ainda falta definição sobre a formação do professor

Folha de São Paulo, 21/10/2008 -
São Paulo SP
Membro do Conselho de Educação acha importante ter formação em música
FERNANDA CALGARO DA REPORTAGEM LOCAL

Todas as escolas do país deverão ter aulas de música dentro da área de artes em três anos. A obrigatoriedade do conteúdo deve impulsionar o mercado de trabalho para os licenciados em música. A lei nº 11.769, sancionada em agosto passado, porém, não exige que os professores tenham formação específica na área de música. O receio era que não houvesse número suficiente de profissionais com essa formação -no país, há 42 cursos para formar professores de música, com 1.641 vagas no total, segundo o último Censo da Educação Superior, de 2006. Só que, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação, para dar aula na educação básica, é preciso ter licenciatura, e essa exigência deverá ser levada em conta quando o tema for discutido pelo CNE (Conselho Nacional de Educação). "A lei está aí para ser cumprida e, particularmente, acho-a muito positiva. A questão é quem vai dar a aula", afirma Regina Vinhaes Gracindo, conselheira do CNE. "Ainda não discutimos a lei no conselho, mas, na minha percepção, é muito importante que o professor seja especializado ou, se for de outra área, que tenha uma formação continuada em música, no caso do professor de educação artística, ou em licenciatura, no caso do músico." Para Gabriela Silvestri, 27, formada em 2003 pela Unesp em educação artística com habilitação em música (hoje o nome do curso é licenciatura em educação musical), as perspectivas são muito boas. "Desde a época da faculdade, nunca tive problema para conseguir emprego. Vejo que as escolas dão bastante valor para a experiência pedagógica. Tenho amigos que são bacharéis em música, e a realidade deles é muito diferente. A minha opinião é que, mesmo que a lei não exija a formação pedagógica, vale a pena investir numa licenciatura em música porque as escolas valorizam." "A música desenvolve várias habilidades e é importante ter didática e pedagogia para conseguir passar isso de forma criativa para os alunos", concorda Adriana Alexandre Francato, 38, professora de música do colégio Santa Maria (zona oeste de São Paulo). A lei não exige o ensino de música para todos os anos, e a implementação será de acordo com a proposta pedagógica da escola ou da rede. A Secretaria Estadual da Educação de São Paulo diz que não deve haver mudança na rede, pois, nas aulas de educação artística -dadas por 12.858 professores-, a música já é contemplada. "O objetivo não é formar músicos dentro da escola, mas oferecer uma formação musical aos estudantes", ressalta Helena de Freitas, coordenadora-geral de Programas de Apoio à Formação e Capacitação Docente de Educação Básica no Ministério da Educação.

"Profissão impossível"

“O educador é um testemunho vivo de que podemos evoluir sempre, ano após ano, tornando-nos mais humanos, mostrando que vale a pena viver”

> O Povo, 18/10/2008 - Fortaleza CE

José Manuel Moran
Isabelle Câmara

Alguns estudiosos, entre eles o sociólogo suíço Philipe Perrenoud, dizem que ser professor é escolher uma “profissão impossível”, na medida em que está entre aquelas que trabalham com pessoas. Com outras palavras e de maneira mais simbólica, o filósofo e escritor indígena Daniel Munduruku diz que educar é como catar piolhos, porque se você desistir por um dia, sobretudo nas aldeias indígenas, eles voltam a se proliferar. Por esta razão, o sucesso do empreendimento educativo nunca estará assegurado, pois em tais profissões sempre há mudanças, ambigüidades, conflitos, opacidades e mecanismos de defesa. E aproveitando a data comemorativa em torno do “lapidador de almas”, falemos sobre um mal ainda pouco explorado que afeta os docentes: a Síndrome de Burnout. Pode parecer um assunto pouco agradável, mas por ser tão pouco explorado e a saúde do professor ser alvo de diversas preocupações, eis o nosso tema. A Síndrome de Burnout pode ser definida como um tipo de estresse contínuo vinculado a situações de trabalho, resultante da constante e repetitiva pressão emocional associada ao intenso envolvimento com pessoas por longos períodos de tempo. E nos professores, o burnout afeta o ambiente educacional e interfere no alcance dos objetivos pedagógicos, levando
estes profissionais a um processo de alienação, desumanização e apatia, ocasionando problemas de saúde e intenção de abandonar a profissão. Tanta cobrança íntima tem fundamento: se por um lado exige-se que o professor seja companheiro e amigo do aluno, lhe proporcione apoio para o seu desenvolvimento pessoal, exige-se que ao final do curso adote um papel de julgamento. Ao tempo em que deve estimular a autonomia do aluno, pede que se acomode às regras do grupo e da instituição. Algumas vezes é proposto que o professor atenda aos alunos individualmente e em outras ele tem que lidar com as políticas educacionais para as quais as necessidades sociais o direcionam, tornando professor e alunos submissos às necessidades políticas e econômicas do momento. Geralmente, altos níveis de burnout fazem com que os profissionais fiquem contando as horas para o dia de trabalho terminar, pensem freqüentemente nas próximas férias, se utilizem de atestados médicos para aliviar o estresse e a tensão do trabalho ou, em última instância, peçam demissão. O professor acometido pela síndrome tem dificuldade de envolver-se, falta-lhe carisma e emoção quando se relaciona com estudantes, o que afeta não só a aprendizagem e a motivação dos
alunos, mas também seus comportamentos. Trabalhar não é só aplicar uma série de conhecimentos e habilidades para atingir a satisfação das próprias necessidades; é, fundamentalmente, fazer-se a si mesmo transformando a realidade. Partindo da concepção de que o homem é um ser social historicamente determinado, que se descobre, se transforma e é transformado pela via do trabalho, é de fundamental importância entender os fenômenos psicossociais que envolvem o trabalho humano. Desta forma, é possível auxiliar o professor para que ele possa concretizar seu projeto de vida pessoal e profissional com vistas à melhoria da sua qualidade de vida e de todos os envolvidos no sistema educacional. E mais: erradicar o burnout em professores não é tarefa solitária, mas uma ação conjunta entre professor, alunos, instituição de ensino e sociedade. E, por fim, burnout não é um fenômeno novo; o que talvez seja novo é o desafio dessa categoria profissional em identificar e declarar o estresse sentido. O professor conhece muito sobre o quê e como ensinar, mas pouco sobre os alunos e, muitas vezes, muito menos sobre si mesmo.