sexta-feira, 3 de abril de 2009

Um sistema de ensino reprovado

Folha Dirigida, 02/04/2009 -
Rio de Janeiro RJ

O resultado da avaliação feita pela Secretaria Municipal de Educação para medir o nível de aprendizagem dos alunos impressiona. Dos 460.453 alunos do 3º ao 9º ano avaliados, 286.571 mil precisam de aulas de reforço escolar em Português e Matemática. No entanto, a situação é ainda mais grave entre os alunos do 4º ao 6º ano, onde 28.879 estudantes foram considerados analfabetos funcionais, ou seja, aprenderam a ler, mas não conseguem entender o que está escrito. Os dados foram divulgados na última terça-feira, dia 31, pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, e pela secretária de Educação, Cláudia Costin. O ponto fraco dos alunos nas avaliações foi a prova de Matemática, que revelou que mais de 205 mil alunos apresentam defasagem de conhecimento na disciplina. Já em Português, cerca de 109 mil jovens necessitam de aulas de reforço. Nesses números estão inclusos os analfabetos funcionais que também realizaram os exames. Para Eduardo Paes, esses números são assustadores. "Verificamos que metade de nossos alunos precisam de reforço escolar. No entanto, é bom saber que já possuímos esse diagnóstico para resolvermos o problema. Não podemos culpar a aprovação automática por isso, mas sei que esse sistema contribuiu muito para o desânimo da rede municipal".
Segundo a secretária de Educação do município, Cláudia Costin, o resultado revela uma falha na política educacional. "Era importante ter detectado os analfabetos funcionais e as crianças que precisam de reforço antes, não necessariamente para repetir de ano. Mas, uma criança analfabeta no sexto ano é prova de que o sistema falhou. Houve um erro sério na política educacional", enfatizou. De acordo com os dados apresentados, há diferenças de desempenho entre as Coordenadorias Regionais de Educação (CREs). A 10ª (Santa Cruz, Paciência, Guaratiba e bairros vizinhos) e a 1ª CRE (Centro e Zona Portuária) apresentaram os piores resultados, com 17,13% e 15,90% de analfabetos funcionais, respectivamente. Ainda segundo Costin, outro dado preocupante é o baixo desempenho dos alunos das 150 escolas que ficam em áreas de risco, chamadas de Escolas do Amanhã.
"Está comprovado que a violência afeta a aprendizagem, tanto gerando bloqueios cognitivos para essas crianças, quanto não atraindo professores para essas escolas", declarou a secretária. Um terceiro problema ressaltado na avaliação é a defasagem idade/série - crianças com, no mínimo, dois anos a mais do que a idade desejada para aquela série. Em toda a rede, 10.500 alunos estão nessa situação. No entanto, a secretária afirmou que esse problema não será resolvido este ano. "Vamos priorizar o analfabetismo funcional e o reforço escolar, que serão enfrentados ao longo de todo o ano".

Resultados não surpreendem educadores


Para educadores e especialistas da área, o diagnóstico revelado pela Secretaria Municipal de Educação não é surpreendente. Segundo eles, basta acompanhar os sistemas de avaliação como Saeb, Enem e Enade, para perceber que os indicadores de desempenho ilustram a pouca efetividade do sistema educacional brasileiro. De acordo com a professora do departamento de Educação da PUC-Rio Zaia Brandão, os resultados da avaliação mostram que a democratização do acesso ao ensino fundamental não é suficiente. "Não basta que todas as crianças de 7 a 14 anos estejam na escola, é preciso que as escolas lhes ofereçam condições de aprendizagem dos conteúdos e habilidades referentes a cada etapa", explicou.
Zaia, que também é pesquisadora em Sociologia da Educação pela PUC-Rio, aponta as possíveis causas para o baixo rendimento dos alunos. "Há falhas pedagógicas tanto na formação de professores, quanto nos processos de ensino. Nossas escolas têm uma das jornadas escolares mais reduzidas do mundo, para o projeto de atender a uma população, que numa grande proporção, é a primeira geração da célula familiar a ter acesso a uma escolaridade ampliada", comentou. A educadora ressaltou ainda que políticas de incentivo legais à permanência dos alunos, como bolsa-escola e merenda escolar, tentaram reduzir a evasão. No entanto, Zaia ressalta que: "a permanência com efetiva aprendizagem é ainda um desafio às políticas de melhoria da qualidade de ensino".
O sistema de progressão continuada, implementado na gestão anterior, para também tentar diminuir o fluxo escolar, contribuiu para os resultados divulgados pela atual secretaria, afirmou a educadora. "As escolas devem ser capazes de atender adequadamente os perfis cognitivos, culturais e sociais que cada criança e jovem trás com sua história pessoal. Que a repetência era um grande problema, e na maioria das vezes não implicava em estratégias mais adequadas para resolver as dificuldades do ensino (das escolas) e de aprendizagem (dos alunos), é indiscutível. Mais simplesmente superar a `pedagogia da repetência´ não resolve o problema", declarou Zaia. Professora do Departamento de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Bertha do Valle, compartilha da mesma opinião. Segundo a educadora, um dos grandes problemas do ensino é a falta de qualificação dos professores. "A crise na educação não começou na última gestão, ela perdura há uns 15 anos e isso é refletido no curso de formação de professores. Muitos alunos do ensino superior, que passaram por um vestibular puxado, escrevem muito mal. Na parte de Matemática, às vezes, tenho que explicar o conteúdo. E essas pessoas serão e são os futuros professores de nossa cidade. Isso demonstra que o problema é cíclico e precisa ser resolvido rapidamente". Para a educadora outro ponto que chama atenção é o horário de funcionamento das escolas. "As crianças passam muito pouco tempo no colégio. São muitos conteúdos para serem lecionados em poucas horas de aula. Além disso, as turmas grandes não permitem uma atenção individual do professor com o aluno. Esses profissionais, muitas vezes, também, não podem ficar depois do horário para tirar dúvidas, pois trabalham em mais de um estabelecimento", disse.

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