sábado, 18 de julho de 2009

"Ensino médio não atende aos jovens do país"

Folha Dirigida, 15/07/2009 - Rio de Janeiro RJ

Paola Azevedo

Nos últimos meses, uma verdadeira revolução tomou conta do ensino médio no país. Após o Ministério da Educação ter solicitado ao Conselho Nacional de Educação que apresentasse uma proposta de reformulação das Diretrizes curriculares desta modalidade de ensino, nada mais foi o mesmo na vida de milhares de estudantes e de instituições de ensino. A proposta foi aprovada, no mês passado, por unanimidade pelo CNE. De acordo com as novas diretrizes haverá uma ampliação na carga horária, além de uma reorganização na grade curricular e 20% das horas de aula serão escolhidas pelos próprios estudantes, em disciplinas que podem ser as tradicionais ou ainda teatro, música, artes ou esportes. Para completar o impacto do processo de mudanças, tais modificações não valem imediatamente para todas as escolas do país mas devem entrar em vigor a partir do ano que vem, ao menos para 100 escolas que servirão como base para o processo de reformulação.
Presidente do CNE, a educadora Clélia Brandão é uma das que acreditam no sucesso da proposta de mudanças, apesar das críticas de parte da comunidade acadêmica, que alega que o processo foi acelerado. Segundo ela, a integração entre municípios, estados e a União é fundamental para a melhoria da qualidade do ensino no Brasil e as diretrizes atuais do ensino médio não atendem à demanda dos alunos. "Existe a necessidade de repensar o ensino médio, já que, de acordo com resultados de pesquisas, os jovens sentem um certo desencanto pelas escolas. O projeto busca o conhecimento de uma forma muito mais integrada, tendo assuntos que tenham relações de conhecimentos com outros, afim de que tenha uma possibilidade de avaliar melhor este mundo globalizado, a complexidade do mundo moderno", explica.

FOLHA DIRIGIDA - O Conselho Nacional de Educação aprovou por unanimidade as mudanças nas diretrizes curriculares do ensino médio. Neste caso, a senhora acreditava em uma decisão tão consensual?

Clélia Brandão - A unanimidade, logicamente, decorre deste grande objetivo que é experimentar novas formas de organização de trabalho escolar e da própria organização curricular. É uma proposta do governo federal e do Ministério da Educação que as escolas irão entrar por adesão e faz parte de um programa de apoio que promove as inovações pedagógicas das escolas públicas. Neste sentido, ele tem o valor que é a tentativa de buscar novas orientações ou descobrir novos caminhos, novas trajetórias para melhorar o ensino médio, considerando que no ensino médio existe um nível altíssimo de evasão. Este é um programa extremamente importante e precisava, então, da aprovação da unanimidade para ser implantado. Estamos discutindo o projeto desde o mês de maio. Não foi um parecer que entrou agora simplesmente, foi algo bastante pensado e discutido até ser aprovado pelos conselheiros.

Que nota a senhora daria para o ensino médio brasileiro atual?
Para o ensino médio eu não daria uma nota mas deixaria registrada a importância, a necessidade urgente de universalizar o ensino médio, considerando que, por não haver ainda esta universalização, tem muitos jovens fora da escola, o que não corresponde aos direitos constitucionais, que é de ter educação de qualidade para todos. Além disso, há também a necessidade de repensar o ensino médio, já que, de acordo com resultados de pesquisas, os jovens sentem um certo desencanto pelas escolas. Portanto é preciso pensar em uma forma de organizar o trabalho pedagógico, organizar a escola, fazer com que o trabalho tenha uma participação mais efetiva dos jovens. O projeto estabelece como metodologia, que nós chamamos de articulação interdisciplinar, buscar o conhecimento de uma forma muito mais integrada, tendo assuntos que tenham relações de conhecimentos com outros, afim de que exista uma possibilidade de avaliar melhor este mundo globalizado, a complexidade do mundo moderno. Então, nós estamos chamando este processo de articulação interdisciplinar, que busca ou que tenha como centro para esta articulação quatro eixos: o trabalho, a ciência, a tecnologia e a cultura. Que são aspectos que acreditamos que fazem parte do princípio educativo.

Por quê dividir o currículo em quatro grandes áreas?
A própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), quando fala em ensino médio, já faz referência a estas áreas. Portanto, este é um dos objetivos, obedecer a LDB. Os currículos focam não só mais o conhecimento, a parte compreensiva e específica, mas também a ciência, ligada à tecnologia e à cultura. O projeto não é um trabalho de formação do ponto de vista da formação de uma profissão mas do entendimento das habilidades necessárias ao modo de trabalho hoje, mesmo quando se fala em inovação, criatividade, capacidade de continuar aprendendo, refletir. Estes são os princípios que já vêm sendo discutidos na próprialegislação e até mesmo nas diretrizes específicas do ensino médio, que foram aprovadas em 1998. Este projeto organiza e operacionaliza a forma de trabalhar que já era prevista na legislação.

Na sua opinião, por que o ensino médio brasileiro precisa ser modificado?
Porque ele não atende hoje à expectativa do ponto de vista da formação, do ponto de vista da universalização, enfim, não atende mais ao perfil dos jovens do nosso século.

Quais são as principais modificações aprovadas?
Uma das mudanças foi a articulação curricular, como já foi dito. As outras foram a ampliação da carga horária, que passa de 2.800 horas para 3 mil horas, com destaque para a centralidade da leitura enquanto elemento de base para a aprendizagem em qualquer outra disciplina, já que, entendemos que a leitura é fundamental, tanto para Matemática, Química, Física, quanto para o Português. Também queremos estimular as atividades teórico-práticas e, com isto, a exigência da montagem de laboratórios que promovam o aprendizado nas diferentes áreas de conhecimento. Um outro aspecto também que cativa, que motiva os jovens é a introdução da arte em geral. Temos acompanhado e percebido que, na tentativa da ampliação da participação dos jovens, a arte entra como elemento fundamental. As artes também são uma forma de ampliar o universo cultural do aluno. Portanto, fomentar as artes é um ponto importante na renovação da organização do currículo no ensino médio. Outra modificação é o fato de que 20% da carga horária do curso pode ser composta de disciplinas que o aluno escolhe. Neste caso, dentro destes 20% o aluno poderá escolher os assunto que ele tem uma relação de conhecimento de uma área que, para ele, é uma área nova, e que ele pretende descobrir e conhecer. Um outro aspecto que eu considero de suma importância é que os professores que atuarão nas escolas onde haverá as modificações terão tempo integral na escola. Isso significa que este professor irá atender apenas a esta escola, sendo assim terá mais tempo para planejar suas aulas e atender melhor aos seus alunos. Esta é uma condição necessária para qualquer tipo de proposta inovadora. Em qualquer tipo de mudança é preciso estabelecer efetivamente as bases da valorização do trabalho pedagógico, da valorização do trabalho do magistério, porque ela se faz necessária, não só pela organização teórico-metodológica do currículo mas pelo exercício profissional, pela prática pedagógica. Portanto, todas esses tópicos precisam ser trabalhados em conjunto.

A senhora citou que uma das modificações seria o aumento da carga horária. Qual seria o principal motivo desta mudança?
O projeto inclui aulas em laboratórios, maior tempo dedicado à leitura e disciplinas opcionais. O aumento da carga horária decorre da necessidade de o projeto pedagógico assumir com profundidade as áreas de conhecimento. O nosso projeto, para ser desenvolvido, precisa de uma carga horária maior do que a atual.

Outra medida que deve ser adotada é de que os alunos poderão escolher até 20% da sua grade curricular. Desta forma, em sua visão, a falta de padronização nas disciplinas não pode ser perigosa para o ensino?
O que assegura esta padronização não é mais um critério de qualidade no ensino. Tentar padronizar o ensino de todos os estados cria uma série de problemas, já que vivemos em um país de diferentes culturas e diferentes perfis. Na minha opinião, o fato de os estudantes terem esta liberdade só faz com que eles se sintam mais interessados pela escola, levando-se em consideração, que eles irão escolher assuntos de seu maior interesse. A escolha das disciplinas compete às escolas. As escolas terão autonomia para decidir o que elas consideram mais coerentes e mais adequado. Certa vez ouvi de um professor que "oportunidades iguais servem para que sejamos cada vez mais diferentes". Muitas vezes o que precisamos é sermos atendidos de forma diferente para chegar a um objetivo comum, que é o aprendizado. Todos os alunos precisam aprender, mas nem sempre todos irão conseguir aprender pelo mesmo caminho.

As mudanças no ensino médio foram solicitadas pelo MEC. Na sua opinião, isso e o fato de que metade dos integrantes do CNE podem ser indicados diretamente pelo presidente da República, indicam um alinhamento do Conselho com o governo federal?
As indicações são promovidas por várias entidades. Eu, por exemplo, fui indicada por sete entidades. Então, isto representa uma relação que temos com os movimentos sociais e com as entidades de educação muito forte. Portanto, isto não faz com que, de forma alguma, o conselho seja uma extensão do MEC. Muito pelo contrário, o CNE tem suas especificidades. Ele, juntamente com o Ministério da Educação, devem concentrar seus esforços para fortalecer o Sistema Nacional de Educação e possuem um diálogo freqüente. Porém, as atribuições não podem se confundir.

Uma das críticas que tem sido feitas ao governo é a de que ainda se investe muito pouco em educação. Sem investimentos na qualificação dos professores, principalmente, a senhora acredita no sucesso desta proposta?
Eu acredito sim na proposta. Mas também acredito que é preciso investir muito mais na educação do país do que vem sendo investido. Quando discutimos o Plano Nacional de Educação, que está em vigência e que termina em 2010, a discussão nesta época era de que se deveria destinar, pelo menos, 10% do PIB (Produto Interno Bruto) para a educação. Depois baixou para 7% neste mesmo plano e ainda não se chegou nem a 4,5%. Não resta a menor dúvida de que e educação somente será prioridade no dia em que for investido o que é necessário para o atendimento de uma escola que seja organizada, com infra-estrutura didática para atender bem aos jovens, que os professores recebam salários dignos e compatíveis com o trabalho que eles exercem, que é de extrema importância para um país. E ainda, que o ensino seja universalizado, que tenhamos todas as crianças nas escolas e que elas permaneçam e tenham a oportunidade de concluir os seus estudos no período previsto pela legislação.

Na sua opinião quais têm sido os maiores erros e acertos do Poder Público na condução de sua política educacional?
O que falta ainda no Brasil é o que está na Constituição com muita clareza de que, em um sistema federativo, só será possível instituir um sistema nacional articulado com a educação se houver claramente as atribuições de cada nível no sistema, as competências claras para que efetivamente se desenvolva o que é chamado de regime de colaboração. O regime de colaboração poderá proporcionar, entre muitas outras medidas, condições de minimizar as desigualdades funcionais. Nós sabemos que um dos maiores problemas que o Brasil tem na área de educação é a diferença, do ponto de vista econômico, do ponto de vista da organização entre estados e municípios, e este é um dado que pesa muito. O regime de colaboração precisa ser regulamentado o mais rápido possível dentro desta visão de complementação entre estados, municípios e União, afim de que a função seja utilizar melhor os recursos e trabalhar de uma forma a atender melhor aqueles municípios e estados que têm menor poder econômico. O grande desafio é normatizar o regime, chamado de regime de colaboração. A aprendizagem é um direito social.

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