domingo, 12 de julho de 2009

À espera de uma proposta

> Folha Dirigida, 09/07/2009 - Rio de Janeiro RJ

Terezinha Saraiva

Minha intenção, no artigo de hoje, era comentar o Parecer CP nº 11/2009, aprovado no dia 30 de junho, pelo Conselho Nacional de Educação, em sessão plenária, que apresenta proposta de experiência curricular inovadora do Ensino Médio. Durante algum tempo, ouviu-se falar que o Ministério da Educação estava estudando uma nova proposta para o Ensino Médio. Acredito que muitos educadores esperavam que esse estudo tivesse como objetivo dar identidade a uma etapa da educação brasileira que se debate entre duas de suas finalidades, sem conseguir desempenhá-las a contento. Resolvi, entretanto, deixar a análise da proposta recentemente aprovada para o próximo artigo, dedicando este a desenhar o cenário em que essa etapa de ensino se situa, desde a Reforma Rocha Vaz. Sua trajetória começa a ser discutida a partir dessa Reforma ocorrida em 1925. Na Exposição de Motivos que acompanhava a proposta, na parte referente ao ensino secundário (sua primeira nomenclatura) pode-se ler: "Neste ensino, o que se observa é o desejo de um preparo rápido e cada vez mais superficial nas matérias que habilitam para a matrícula nos cursos superiores. Esse não deve ser o objetivo do ensino secundário. Base indispensável para a matrícula nos cursos superiores, o ensino secundário deve ser encarado como um preparo fundamental e geral para a vida, qualquer que seja o propósito a que se dedicar o indivíduo."
Foi a Reforma Rocha Vaz que permitiu que o sistema de aprovação em exames parcelados, até então vigente, para chegar ao ensino superior fosse substituído por um regime de estudos secundários seriados, tendo como objetivo superar a linha propedêutica até então praticada. A Reforma Francisco Campos, em meados de década de 30, em sua Exposição de Motivos diz: "A finalidade do ensino secundário é, de fato, muito mais ampla do que se costuma atribuir-he. Via de regra, o ensino secundário tem sido considerado entre nós como um simples instrumento de preparação de candidatos ao ensino superior, desprezando-se, assim, sua função eminentemente educativa." Sucede-se a Reforma Capanema, em 1942, através das Leis Orgânicas do Ensino. Entre 1942 e 1946 foram baixados seis decretos-lei, ordenando o ensino secundário, industrial, comercial, agrícola, normal e primário. Com a Reforma Capanema começa a esboçar-se o sistema educacional brasileiro. Em 1946, iniciam-se os estudos para a elaboração de uma Lei Orgânica de Educação Nacional, em substituição às várias leis da Reforma Capanema, que viriam a consubstanciar-se na primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei 4024, de dezembro de 1961. Nessa Lei, aquela etapa do ensino passa a ser chamada de 2º ciclo do ensino médio. O 1º ciclo era composto pelo curso ginasial, que sucedia ao ensino primário. O 2º ciclo foi, então, estruturado em dois ramos paralelos, sem qualquer ligação entre eles, embora fossem equivalentes para fins de concurso vestibular: o ensino secundário, com objetivo de formação geral e o ensino técnico e de formação de professores para o ensino primário, com objetivo de profissionalização. O primeiro ramo era destinado à continuidade de estudos, visando ao acesso aos cursos superiores. O segundo ramo destinava-se à formação de técnicos industriais, comerciais, agrícolas e o normal, destinado à formação de professores primários. Consagrava-se aí, a dicotomia na formação dos jovens, dificultando o atendimento do objetivo maior do ensino médio – o prosseguimento da educação iniciada na escola primária voltada para a formação integral dos alunos.
Em 1971, a Lei 5692, que fixou diretrizes para o ensino de 1º e 2º graus, na esteira do que já vinha sendo discutido, mundialmente, em relação à necessidade de uma revisão dos objetivos da educação, sobretudo, no grau destinado aos jovens, por força das importantes mudanças ocorridas na sociedade moderna, que apontavam para uma educação que pudesse preparar todos os indivíduos para serem, ao mesmo tempo, homens que pensam e homens que fazem, conferiu ao ensino médio, agora denominado 2º grau, uma vez que a Lei 5692 juntou, no 1º grau, os antigos ensinos primário e ginasial, estendo a obrigatoriedade escolar de 4 para 8 anos, o objetivo de integrar, numa escola única, a educação geral e a formação especial, por entender que não havia mais lugar, no Brasil, para o dualismo de uma escola média que levasse à universidade e outra que preparasse para o trabalho.
Passava a ser conferido ao ensino médio, à época com a nomenclatura de 2º grau, o objetivo de cumprir duas funções, consideradas indispensáveis a uma educação integral. A partir daí, as escolas brasileiras de 2º grau deveriam organizar-se para oferecer em 3 ou 4 anos, além da educação geral, a formação especial, oferecendo habilitações profissionais. Esse objetivo não logrou ser atingido, por várias razões que os educadores conhecem, pois são relativamente recentes, em que se ressaltava a referente à operacionalização. Só as escolas técnicas já existentes, sobretudo as federais, cumpriram, com sucesso, os dois objetivos, acoplando à educação geral a formação de técnicos. Como se vê desse sucinto retrospecto, o ensino médio brasileiro oscilou em sua identidade, sendo que nas últimas décadas não conseguiu preparar, com êxito, a parcela de alunos que tinha como meta, a universidade, e a outra parcela, menor, mas que tinha como objetivo obter um diploma de técnico para habilitá-la a abrir a porta do mercado de trabalho. Assim, chegamos a 1996, quando foi promulgada a Lei 9394, que definiu o ensino médio como a etapa conclusiva da Educação Básica, dando-lhe quatro finalidades: "a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; a preparação básica para o trabalho e a cidadania, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; a compreensão dos fundamentos científicos e tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina". A Lei 9394/96 abriu um capítulo específico para a Educação Profissional, definindo que a ela teriam acesso o aluno matriculado ou egresso do ensino fundamental, médio e superior, bem como o trabalhador em geral, jovem ou adulto. E acrescentou que "a educação profissional será desenvolvida em articulação com o ensino regular ou por diferentes estratégias de educação continuada, em instituições especializadas ou em ambiente de trabalho." É importante relembrar que na Seção da Lei referente ao Ensino Médio, o parágrafo 2º do artigo 36 diz que "o ensino médio, atendida a formação geral do educando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões técnicas". Como se vê, a Lei 9394/96, em vigor, com sua redação, abriu espaço para o entendimento de que o ensino médio teria, entre outras finalidades, a de propiciar um ensino que possibilitasse a continuidade de estudos, em nível superior,e a oferecer preparação básica para o trabalho e, até mesmo, preparar o aluno para o exercício de profissões técnicas.
Lamentavelmente, decorridos quase 13 anos de sua promulgação, o ensino médio brasileiro não conseguiu desempenhar-se bem de duas das finalidades que a Lei a ele conferiu. Nem conseguiu aprofundar os estudos realizados no ensino fundamental, possibilitando que os alunos vencessem o obstáculo dos concursos vestibulares, para prosseguirem seus estudos; nem conseguiu preparar para o trabalho a parcela de seus alunos que tinha o mercado de trabalho como escolha. Além disso, o Ensino Médio é marcado por altos índices de evasão. Grande parte dos alunos que nele ingressa não conclui o curso. Um dos motivos é a oferta de um ensino sem qualquer interesse para os jovens. Tudo isso sinalizava para a necessidade urgente de rever seu rumo, para não frustrar as expectativas dos que nele ingressam, para que o ensino superior pudesse receber alunos com os conhecimentos, as competências e habilidades indispensáveis ao prosseguimento de estudos, para que se pudesse oferecer ao mercado de trabalho, recursos humanos qualificados para o exercício de diversas profissões e com a flexibilidade necessária para se adaptarem, com inteligência, às mudanças impostas pelos avanços da ciência e da tecnologia.
Enfim, o ensino médio brasileiro precisava de uma reforma que definisse claramente suas finalidades, dando-lhe uma nova organização curricular a ser operacionalizada por professores preparados para uma nova prática docente. Era isso que se esperava da tão falada e anunciada proposta de reforma que estava sendo preparada pelo Ministério de Educação; embora eu pense que, para melhorar a qualidade do ensino médio brasileiro, quaisquer que sejam suas finalidades, a primeira condição é melhorar o perfil dos alunos concluintes do ensino fundamental e, que nele ingressam, na maioria das vezes, sem levar em sua bagagem escolar conhecimentos, competências e habilidades para serem aprofundados, pelo fato de não os terem aprendido na etapa anterior. Sem isso, não há proposta, por mais inovadora que seja, que dê ao ensino médio a possibilidade de fechar com chave de ouro a Educação Básica brasileira.

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