Jornal do Commercio, 26/05/2009 - Recife PE
Adailson Medeiros
Secundarista em Natal nos primeiros anos da década de 60, fomos testemunhas de três criativas experiências no âmbito da educação popular. Foi na cidade de Angicos – distante 170 quilômetros de Natal e berço político da família Alves, o mais proeminente deles, Aluísio, sendo o então governador – que o pernambucano Paulo Freire empreendeu, em 1963, sua extraordinária experiência de alfabetização de adultos, após longa maturação teórica, revolucionando ideológica e metodologicamente a educação popular. Na realidade, essa experiência desabrochou no âmbito do Movimento de Cultura Popular (MCP), que floresceu nos primeiros anos da década de 60, no Recife, e que teve no professor Germano Coelho o seu "ideólogo", como diziam os jornais da época, e apoiado pelo prefeito de então, Miguel Arraes. Uma segunda experiência de educação popular floresceu no seio da Igreja Católica, através das "escolas radiofônicas". Natal, ao lado de Aracaju, foram as cidades pioneiras. No caso da capital potiguar, o movimento tinha a condução do então arcebispo dom Eugênio Sales, norteriograndense de Acari, e hoje cardeal aposentado, residente no Rio de Janeiro. Na época fomos seu aluno e, pasmem, de grego...
As aulas radiofônicas eram acompanhadas pelos alunos em diferentes ambientes (sindicatos, colégios, residências, etc.) e orientadas por monitores previamente treinados. Os rádios eram distribuídos pelo programa, e muitos eram "cativos"... só sintonizavam a emissora de educação rural, que veiculava as aulas! O embrião gestado em 1961 prosperou e hoje, vinculado à CNBB, se transformou no ampliado Movimento de Educação de Base (MEB). Uma terceira e inovadora experiência desses efervescentes anos, ocorrida em Natal, foi a campanha De pé no chão também se aprende a ler. O projeto nasceu no âmbito da Prefeitura de Natal na gestão popular do prefeito Djalma Maranhão. Com o golpe de 64 o prefeito foi deposto, preso (inclusive no Recife), morrendo exilado, no Uruguai, em 1972. Morreu de "puro banzo" conforme me relatou, na época, o professor Paulo Rosas. O então secretário de Educação da Prefeitura de Natal era um jovem e promissor professor: Moacyr de Góes. Buscando atender à demanda popular por mais educação e faltando os recursos financeiros para atendê-la, optou-se por soluções criativas. Se erguer escolas de alvenaria era muito caro, erguiam-se escolas de palha e acampamentos escolares,
se não havia professores diplomados, qualificavam-se os professores já existentes. Em alguns dos galpões de palha não havia eletricidade, sendo iluminados por cadeeiros, noutros, o chão era de terra batida e aluno sem sapato não era excluído e, de pé no chão, também aprendia a ler... A campanha de De pé no chão também se aprende a ler foi expressiva não apenas pelo caráter inovador e popular mas, também, pelo aspecto quantitativo. Natal, na época, era uma cidade de 160 mil habitantes, e a campanha, em três anos, atingiu uma matrícula acumulada de 34 mil alunos! Tal qual o prefeito de Natal, o seu secretário de Educação também foi preso em 1964, acusado de subversão. Ao ser solto, radicou-se no Rio de Janeiro onde lecionou em colégios e na UFRJ, chegando a ocupar o cargo de secretário de Educação do Rio, no final da década de 80. É autor de vários livros. Ao final de março passado, no dia 27, aos 78 anos, o condutor dessa extraordinária experiência morreu de um câncer de bexiga. Deixou a esposa, Maria da Conceição e cinco filhos, entre os quais o diretor de cinema que também leva seu nome, Moacyr de Góes.
quarta-feira, 27 de maio de 2009
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