quarta-feira, 6 de maio de 2009

Mudanças no ensino médio

MEC propõe agrupar as disciplinas e aumentar o tempo na escola

Estado de Minas, 06/05/2009 - Belo Horizonte MG

Editorial


Depois de propor a unificação dos vestibulares para ingresso nas universidades públicas e a sua substituição total ou parcial pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o Ministério da Educação (MEC) acaba de formular projeto para a reestruturação do próprio ensino médio. Pressionado a dar maior contribuição ao ataque à baixa qualidade desse nível da educação no país, o MEC parece ter precipitado a exposição de algo ainda incompleto, embora estivesse em estudos desde o ano passado, conforme antecipou reportagem do Estado de Minas (Gerais,14/12/2008). Na verdade, o que o ministério encaminhou ao Conselho Nacional de Educação (CNE) é apenas um projeto-piloto. Mas, ainda assim, vem provocando grande polêmica entre os educadores. Afinal, é esse, sem dúvida, o mais frágil e complexo nível educacional. O avanço da universalização do acesso ao ensino básico em todo o país gerou uma pressão quantitativa sobre o nível médio, que, ao mesmo tempo, sofre o drama qualitativo da preparação dos jovens para enfrentar o funil do ingresso na universidade. E, como demonstrado há pouco pelos resultados do Enem, o desempenho da maioria das escolas, inclusive particulares, tem sido pífio. Em linhas gerais, as principais mudanças ampliam a carga horária e propõem a reestruturação dos currículos. Na linha do novo vestibular, os técnicos do ministério sugerem agrupar as 12 disciplinas atuais em quatro grupos de estudo: línguas, matemática, ciências humanas e ciências exatas e biológicas. As atuais 2,4 mil horas de aulas seriam aumentadas em 25%, passando para 3 mil horas por ano letivo. A intenção é combater um dos principais desafios do ensino médio no Brasil: o elevado nível de desistência, em grande parte explicado pelo fato de que milhares alunos consideram desinteressantes o curso que fazem e a escola que frequentam. O aumento da carga horária teria o propósito de oferecer mais tempo para atividades extraclasse na própria escola, como a prática de esportes ou o desenvolvimento de eventos artísticos ou culturais. E a mudança no currículo pretende dar mais lógica ao conjunto e integração entre as disciplinas, que seriam melhor adaptadas à realidade do aluno e, portanto, tornar as matérias ensinadas mais atraentes aos jovens de 15 a 18 anos. É indiscutível a necessidade de mudanças profundas para melhorar a qualidade da educação em todos os níveis, e a situação do ensino médio é a mais grave. O surgimento de uma proposta vinda do governo federal é, pois, mais do que oportuna. Mas nem por isso é possível aceitá-la sem cautelas. A implantação dessas mudanças poderá gerar grande confusão, se for apressada, ou simplesmente inócua, sem a adequada estruturação das escolas e a preparação dos professores. No papel, é sempre viável a adoção de novidades. Mas a realidade da maioria das escolas brasileiras é bem outra. Em paralelo a todas as iniciativas, corajosas ou não, é preciso que se faça um esforço de investimentos. O Brasil, situado entre as 10 maiores economias do mundo, não aplica nem 2% do seu Produto Interno Bruto (PIB) na educação, enquanto a média dos melhores países em desenvolvimento investe 6% ao ano. Sem que se enfrente essa diferença, a educação não terá mudanças importantes e, muito menos, a revolução que o país precisa.



> Portal UOL Educação, 05/05/2009

Formação de professores será entrave para implantação do novo modelo de ensino médio

Da Agência Brasil

A principal dificuldade que os Estados vão enfrentar na reforma curricular do ensino médio, proposta pelo MEC (Ministério da Educação), será a falta de professores preparados para atender o novo modelo, avalia a presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Maria Auxiliadora Seabra. "A proposta é interessante em algumas medidas. O ensino médio passa por uma crise de identidade, hoje, com um amontoado de disciplinas", afirma. A presidente do Consed diz que, muitas vezes, o professor não está ainda preparado nem para atender ao atual modelo. Ela acredita que será necessário um grande esforço das universidades para atender a formação dos profissionais de ensino em grandes áreas do conhecimento. "O professor formado em biologia às vezes não domina nem todo aquele conteúdo, como poderá dar aulas de outras áreas? Precisamos de um esforço conjunto porque as universidades ainda resistem muito a esse modelo mais amplo de formação", disse. O Consed vai montar um grupo de trabalho para debater o projeto apresentado pelo MEC. Um dos pontos que precisa de maior discussão, segundo Auxiliadora, é o repasse de verbas do ministérios para apoiar os projetos em cada estado. A princípio, o ministério garantiu verba extra para as cem escolas que tiveram as piores notas no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). "Essa questão precisa ser dimensionada. Para a gente avaliar a eficácia desse novo modelo, ele teria que funcionar tanto em boas escolas, como em escolas com problemas", afirmou. O CNE (Conselho Nacional de Educação) vai realizar audiências públicas para discutir o novo modelo de ensino médio. O processo deve ser concluído até julho. Depois dessa etapa, o ministério começará as negociações com os estados. Amanda Cieglinski


Os bodes de sempre
Carta na Escola, Edição 35

Os 1,5 mil docentes 'nota zero' da rede paulista são apenas a ponta do iceberg

Rodrigo Martins

Professora de História e Sociologia, Anatalina Lourenço da Silva, de 40 anos, leciona na rede estadual de São Paulo há dezesseis anos. Apesar da longa trajetória, a docente nunca deixou de ser uma profissional temporária. Em 2008 trabalhava nove horas semanais para ganhar 312 reais por mês. E, como todos os demais temporários da rede, no fim do ano passado ela teve de fazer uma prova de avaliação da Secretaria de Educação do Estado, a primeira do gênero que contaria pontos para a contratação de professores não concursados no atual ano letivo, iniciado em fevereiro. Anatalina acertou mais de 70% das perguntas de Sociologia e dois terços das questões de História. Apesar do bom desempenho no exame, chegou a ser chamada de “entulho” na porta do colégio onde leciona, no Jardim Boa Vista, capital paulista, próximo ao quilômetro 17 da Rodovia Raposo Tavares, por um grupo de mães de alunos. Motivo: a divulgação de que 3 mil professores, dos quais metade atuam na rede estadual e a outra leciona em outras redes de ensino ou está iniciando a carreira agora, zeraram na prova, um triste retrato da qualidade do ensino público no País.
“Só que ninguém levou em consideração que a rede tem mais de 100 mil temporários, boa parte deles bem avaliados, e que muitos dos ‘professores nota zero’ entregaram a prova em branco sob forma de protesto”, lamenta. Anatalina precisa fazer dupla jornada de trabalho. Em 2001, passou no concurso público da rede municipal paulistana e desde então leciona nos dois sistemas. Vinte e cinco horas semanais nas escolas municipais lhe rendem 1,8 mil reais por mês, ao somar o salário e os abonos oferecidos pela prefeitura. “Comparada com a maioria dos meus colegas da rede estadual, posso dizer que sou uma privilegiada”, comenta. A professora diz que nem sempre foi assim. Em 2000, como temporária da rede estadual, ficou quatro meses parada, sem dar aulas. “Tive o telefone cortado, quase fui despejada da minha casa por atrasar o aluguel e tomei empréstimos para pagar água e luz”, comenta. “Conheço colegas que tiveram de mudar para favelas e cortiços por conta dessa instabilidade permanente.” São Paulo tem a maior rede de ensino do Brasil, com mais de 5,3 mil escolas e 5 milhões de estudantes. Também detém o maior número absoluto de professores temporários. Em dezembro de 2008, eram mais de 104 mil temporários para 113 mil efetivos. Hoje, segundo a Secretaria Estadual, os temporários somam 90 mil profissionais, o terceiro maior porcentual do País (43%), atrás apenas de Minas Gerais e do Mato Grosso. Estima-se que cerca de 300 mil docentes brasileiros são provisórios. Efetivos mesmo, só quem passa em concurso público, com prova e análise de currículo acadêmico. Mas, em São Paulo, o último concurso, para a contratação de 16 mil professores, aconteceu há dois anos. Em junho de 2008, em meio à greve de professores que durou 21 dias, a secretária estadual de Educação Maria Helena Guimarães de Castro prometeu criar 75 mil vagas para professores concursados. Sete meses após o anúncio, o governador José Serra nem sequer havia encaminhado uma proposta à Assembleia Legislativa, que deve ser consultada para a criação de novos cargos.
Enquanto isso não ocorre, a secretaria tomou a iniciativa de incluir a prova como um dos critérios para a admissão de temporários. Antes, os docentes só eram contratados em razão do tempo de carreira e da formação acadêmica. Pela nova regra, esses critérios continuariam valendo, mas a nota obtida na prova teria um peso próximo de 40% na composição final da classificação. “Acho perfeitamente válido avaliar todos os profissionais que vão encarar uma sala de aula, mas manter esse elevado contingente de temporários é desastroso”, comenta Romualdo Portela, especialista em avaliação e professor da Universidade de São Paulo. “Os temporários não passam pelo crivo dos concursos públicos, que inclui avaliação e análise da trajetória acadêmica”, afirma Portela. “Além disso, esses profissionais não têm garantia de emprego e não sabem sequer em qual colégio vão lecionar no ano seguinte. Isso compromete a qualidade de ensino, até porque as escolas precisam de equipes consolidadas, que conheçam bem a realidade da comunidade escolar e o projeto pedagógico.”
Para o educador, há um problema de fundo que permeia a discussão, o Brasil não consegue reter os melhores alunos no magistério. “Isso acontece porque a carreira docente não vale a pena em termos de respeito social, valorização salarial e progressão na carreira, o oposto do que ocorre em países desenvolvidos”, comenta Portela. Para exemplificar o ponto de vista, o educador destaca as conclusões de um estudo da consultoria McKinsey, divulgado em outubro de 2007. No relatório How the World’s Best Performing Schools Systems Come Out On Top (Como os Melhores Sistemas Escolares do Mundo Chegam ao Topo), a consultoria destaca que as melhores escolas do mundo seguiram uma trajetória em comum: contrataram os melhores professores, extraíram o máximo deles e souberam intervir quando os alunos ficavam para trás. A McKinsey argumenta que os sistemas educacionais com melhor desempenho são os que contam com os profissionais mais bem qualificados. E isso não tem relação apenas com o salário oferecido, mas principalmente com a existência de um processo de seleção rigoroso, de treinamentos constantes e de boas condições de trabalho. A Finlândia, que tem um dos melhores sistemas educacionais do mundo, só contrata professores com mestrado. A Coreia do Sul, primeira colocada no ranking de leitura do Pisa 2006 (exame educacional feito pelos países desenvolvidos da OCDE e outras nações convidadas), seleciona docentes de ensino básico entre os 5% com melhor desempenho num exame nacional para o ingresso no ensino superior. Cingapura e Hong Kong fazem o mesmo, só que entre os 30% melhores. Além disso, esses países têm especial preocupação com a capacitação contínua dos educadores. Cingapura, por exemplo, oferece cem horas de treinamento por ano e indica professores veteranos para orientar os novatos. No Japão e na Finlândia, os professores se reúnem em grupos para visitar a sala de colegas e ajudar no planejamento das aulas, com tempo extra para essa tarefa. “É uma situação bem diferente da brasileira”, comenta Portela. O educador participou de uma pesquisa divulgada pela Fundação Lemann em junho de 2008. Os pesquisadores constataram que só 5% dos alunos com melhor desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) desejam trabalhar como professores da educação básica, ao passo que, entre os estudantes com pior desempenho, o magistério é desejado por mais de 30%.
Para o educador Carlos Jamil Cury, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, as administrações centrais de grandes redes de ensino precisam de provas e dados estatísticos para orientar as políticas públicas, mas essa análise distante acaba por afastar os gestores públicos de quem está na ponta, dentro das salas de aula. “E este professor costuma ver com desconfiança qualquer mudança na política educacional, até por conta das constantes mudanças de diretrizes de um governo para o outro.” Com base em denúncias de irregularidades nas provas, como gabaritos vazados às vésperas do exame e a divulgação incorreta de dados sobre os professores avaliados, a Associação dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) conseguiu anular na Justiça os efeitos da prova na contratação de temporários. A assessoria de imprensa da Secretaria de Educação nega as irregularidades. Diz que o suposto gabarito vazado tinha apenas cinco respostas corretas, de um total de 25 perguntas, e que as correções de nota foram pontuais.
Além disso, a secretária Maria Helena manteve a promessa de abrir concurso para 75 mil professores e disse que os 1,5 mil temporários “nota zero” poderão perder o cargo em junho, caso haja respaldo legal. Também anunciou a intenção de realizar um novo exame para a contratação de temporários em 2010. De acordo com Maria Izabel Noronha, presidente da Apeoesp, o sindicato recebeu mais de 30 mil reclamações de professores. Muitos deles, afirma, receberam nota diferente da que haviam verificado pessoalmente no gabarito oficial ou apareceram como ausentes mesmo tendo comparecido no exame. “Se a secretaria não tinha condições de realizar essa prova, porque não contratou uma empresa especializada, com know-how para isso? Depois a secretária vem dizer que fizemos baderna, que tentamos boicotar a prova desde o início”, diz a sindicalista. “Oferecemos até cursos para preparar os professores para a avaliação. Diante de tanta coisa errada, duvido que, de fato, 3 mil professores tiraram nota zero”.
Alheio à troca de farpas entre o governo e o sindicato, o especialista em avaliações educacionais José Francisco Soares, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), afirma que, embora indispensáveis, as avaliações têm sempre um alcance limitado. “Ainda não há clareza sobre o que o professor precisa saber para ensinar. O que funciona numa cidade de 5 milhões de habitantes também vale para outra de 5 mil moradores? Lecionar numa periferia à noite é o mesmo que ensinar numa escola da região central pela manhã? É necessário avaliar, mas não dá para acreditar que uma única avaliação possa dar um veredicto seguro.” Para Soares, o Brasil ainda precisa discutir quais conteúdos os professores precisariam dominar para ensinar diferentes perfis de alunos, que vivem em condições distintas. E investir na qualificação deles. “Não adianta projetar um mundo ideal e excluir quem não se encaixa no sonho. Temos de trabalhar com o professor e com os alunos que temos hoje.”
Na avaliação do sociólogo Sergio Haddad, presidente da ONG Ação Educativa, embora seja alarmante o elevado número de professores que zeraram a prova, o foco da indignação pública está equivocado. “De repente, a secretaria achou um culpado para as mazelas da educação pública: o docente, o ‘professor nota zero’. Mas quem é o real responsável por essa situação? A grande maioria dos professores estudou em escolas públicas e muitos em universidades mantidas pelo Estado. Eles investiram nos estudos e tentam trabalhar da melhor maneira possível, numa profissão pouco valorizada, e agora são acusados de burros, de ignorantes”, lamenta. “Ninguém discute a necessidade de se avaliar o professor, mas é preciso dar condições para ele trabalhar com dignidade, e não em escolas de lata ou de madeirite”. Mas quem entregaria, placidamente, o filho aos cuidados de um “professor nota zero”? “Eu não zerei a prova e já fui alvo desse tipo de preconceito. Mas a pergunta correta não foi feita. A quem interessa nos criminalizar?”, indaga a professora Anatalina, injustamente acusada de ser um “entulho” em sala de aula. “A falta de respeito é tão grande que não me admira que a profissão atraia pouca gente qualificada. Mas, por favor, não jogue todos os professores na mesma vala comum, porque tem muita gente boa lecionando. Por opção, e não por excelentes salários.”

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