sexta-feira, 27 de março de 2009

Ensino de metas sepulta Escola Plural

> Estado de Minas, 26/03/2009 - Belo Horizonte MG

Modelo que aboliu a reprovação e o boletim no nível fundamental da rede pública de Belo Horizonte dá lugar a projeto que busca melhores resultados na avaliação do MEC Glória Tupinambás Quase 15 anos depois de surpreender Belo Horizonte com o fim da reprovação e do boletim escolar, a polêmica Escola Plural sai de cena. Em seu lugar entra a escola de resultados, que dá prioridade absoluta ao cumprimento de metas e ações. Todas as mudanças no projeto de ensino da capital têm um objetivo único: tirar a cidade da nota vermelha no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). Na última avaliação, aplicada pelo Ministério da Educação (MEC) para medir a qualidade do ensino fundamental, BH teve desempenho de 4,4 nos anos iniciais (do 1º ao 4º) e 3,4 na etapa final (do 5º ao 8º) – abaixo da média estipulada de 4,6 e 3,7, respectivamente. O novo modelo (veja quadro na página 22) foi defendido ontem pela secretária municipal de Educação, Macaé Evaristo, durante audiência pública na Câmara, mas é alvo de críticas de professores e especialistas
Os princípios e as diretrizes básicas da Escola Plural já vinham perdendo força nos últimos anos, mas, com a mudança de governo na capital, a nova equipe sepultou de vez o projeto pedagógico, a despeito de técnicos do município medirem as palavras ao tratar do assunto. Segundo Macaé Evaristo, a cidade tem hoje “uma escola pública da Prefeitura de Belo Horizonte”. Além de perder o rótulo, outras duas características marcam o fim do programa e o início de uma nova etapa. Em 2000, as taxas de reprovação e abandono escolar chegavam a apenas 5,8%. Em 2007, o índice de reprovados na rede municipal alcançou 9,9%, enquanto o abandono ficou na casa dos 3,4%. Outro ponto crucial da mudança é a padronização do boletim, que, no ano passado, trouxe de volta resultados da aprendizagem do aluno – medidos por conceitos e não mais por notas – e também detalhes do comportamento em sala de aula. A secretária deixa claro que a época é de transformações. “Precisamos considerar que cada tempo pede uma proposta, uma política pedagógica. Há princípios da Escola Plural que são universais da educação, como o direito de todos ao ensino, uma educação inclusiva e o respeito às diferenças. Isso está expresso na Constituição, na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e permanece. Mas, quanto a outras questões, ligadas à política educacional, estamos em outro momento. A cidade nos pediu isso, é hora de reconhecer o que precisava avançar e estamos trilhando um novo caminho”, diz Macaé.
Ela ainda enfatiza que uma das principais características da nova fase da educação é a busca por bons resultados em avaliações. “Temos metas bem estabelecidas para o ensino fundamental, que, hoje, estão colocadas não apenas para BH, mas nacionalmente. Trabalhamos com avaliações externas, como a Prova Brasil e o Ideb, e exames diagnósticos internos. Nossa prioridade é, objetivamente, construirmos uma educação que incida na melhoria da qualidade e que isso possa ser expresso não só nos processos de inclusão e tratamento das diferenças, mas também por meio de números e resultados do desempenho dos estudantes”, acrescenta. DISTORÇÃO A mudança de rumos mostra sua urgência quando são avaliados casos como o de Paulo e Bruna (nomes fictícios), ambos de 17 anos. Alunos da Escola Municipal Luiz Gatti, na Região do Barreiro, em BH, eles chegaram a pedir a reprovação por não se considerarem aptos a continuar na série seguinte. Mas tudo que conseguiram foi a reprovação do pedido. A reprovação foi autorizada pela coordenação pedagógica do colégio, mas técnicos da secretaria intervieram sob a alegação de que a direção da escola avaliou apenas o mau comportamento dos alunos em sala de aula, e não o nível de aprendizado deles. “Eu não fiz nada e não aprendi nada na 8ª série (do ensino fundamental). Seria melhor ter tomado bomba, pois não estou bem no 1º ano (do nível médio). Minhas maiores dificuldades são em português e matemática”, conta Paulo. Por vergonha do seu desempenho escolar, ele faltou a todas as aulas da primeira semana do ano letivo. “Os colegas sabiam que eu deveria continuar na 8ª série. Preciso aprender melhor. E acho que não vou nem perder tempo de tentar faculdade.”
Ao contrário de Paulo, Bruna sonha em fazer enfermagem. Mas a aluna do 3º ano do ensino médio teme não conseguir vencer o vestibular. “Tenho muito dificuldade em matemática e física e sinto que não entendo bem as aulas. Comecei a ter problemas na 6ª série e tenho certeza de que, se eu tivesse sido reprovada, como eu queria na época, hoje estaria melhor”, diz. Para a professora de português e coordenadora pedagógica do ensino médio, Érika Carvalho Siqueira, os alunos são prejudicados por não acompanhar o ritmo da turma. “Vemos problemas de autoestima dos estudantes, pois eles não acreditam no que fazem e duvidam da própria capacidade”, lamenta. Se a Escola Plural foi fonte de distorções e críticas, professores condenam, no entanto, a lógica imposta pelo novo sistema de avaliações. “A busca pela meta traz de volta a padronização e joga por terra a reflexão crítica sobre a educação voltada para a cidadania e da formação para a vida. Isso era o mais bonito da Escola Plural. Não queremos um aluno que simplesmente resolve problemas de matemática e domina as letras, mas não sabe conviver em sociedade. Se não há boas políticas públicas voltadas para a juventude e o aluno chega fragilizado à sala de aula, não é correto responsabilizar o jovem, a família ou os professores pelo seu fracasso nas avaliações”, defende a diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores da Educação Pública Municipal (Sind-Rede), Maria da Consolação Rocha.

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