sábado, 28 de março de 2009

Por um ensino médio mais adequado ao mundo atual

> Folha Dirigida, 26/03/2009 - Rio de Janeiro RJ

Marcelo Bebiano
Presidente do Conselho Nacional de Educação, a pedagoga Clélia Brandão Alvarenga Craveiro considera necessárias mudanças nas diretrizes curriculares do ensino médio brasileiro para uma real adequação do país à realidade do mundo moderno, aproximando o jovem da escola e preparando-o melhor para o mercado de trabalho. A educadora destaca que nas últimas décadas o mundo passou por grandes transformações, principalmente na área tecnológica, o que torna urgente a adequação das instituições de ensino ao perfil dos estudantes, transformando as escolas em locais mais próximos à realidade dos alunos. "Por isso, o Conselho Nacional de Educação está discutindo o assunto, através de comissões de especialistas, com um diálogo muito próximo com o Ministério da Educação, levando em consideração a opinião da sociedade".

Reitora e professora titular da Universidade Católica de Goiás, Clélia Craveiro adverte que os conteúdos do ensino médio precisam ser atualizados, deixado de lado a educação anterior, que privilegiava a assimilação de datas e nomes. Ela considera fundamental formar um aluno mais crítico, reflexivo e investigador para enfrentar um mercado de trabalho cada vez mais competitivo e dinâmico. Mestre em Educação pela Universidade Federal de Goiás, Clélia Craveiro, não concorda com o modelo de Aprovação Automática que esteve em vigência na rede municipal de ensino do Rio de Janeiro até o ano passado. Ela explica que as pessoas não aprendem da mesma forma e que as escolas devem organizar planos de metas para atingir objetivos pedagógicos adequados e com resultados positivos na formação dos jovens.


Qual a sua avaliação sobre as Diretrizes Curriculares do ensino médio? Estão adequadas ao que se pretende para o segmento?

Clélia Craveiro - A Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação está realizando uma revisão das Diretrizes Curriculares do ensino infantil, fundamental e médio, organizando os princípios orientadores e estabelecendo o que é regional e nacional, sempre sobre a orientação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e da Constituição Federal. Estas mudanças estão sendo feitas em conjunto com o Ministério da Educação e mediante informações que foram colhidas na sociedade. O MEC faz a apreciação e encaminha para o Conselho Nacional analisar. É um trabalho muito interligado. Um processo que possa responder ao princípio constitucional da aprendizagem como um direito social e com qualidade.

Como garantir a qualidade com um ensino tão deficiente como o brasileiro, com professores desmotivados pela falta de estrutura e de bons salários?
A qualidade se resume na aprendizagem dos alunos. É um direito que crianças, adolescentes e adultos têm. E para isso é preciso oferecer melhor estrutura e salários. No entanto, qualquer mudança bem feita exige uma avaliação completa. No caso do ensino médio, o objetivo é adquirir maior clareza sobre a identidade deste segmento. Saber exatamente qual o seu papel. É óbvio que o ensino médio não exerce apenas o papel de preparação para o ingresso no ensino superior. Este segmento deve possibilitar condições ao cidadão para que ele se desenvolva intelectualmente e tenha condições de transitar neste dinâmico e competitivo mundo do trabalho. A aprendizagem, é hoje, um critério indispensável a qualquer pessoa que deseje alcançar sucesso profissional. As diretrizes do ensino médio são de 1998 e tiveram papel muito importante por estabelecer formas diferentes de se pensar a organização curricular e os princípios deste sistema. Mas, é fundamental avançar sem imaginar uma ruptura total com o que já foi realizado. Num processo histórico é permanente a busca pelo o que foi feito e a atualização desse discurso na prática. É fundamental considerar que o perfil do aluno mudou substancialmente nos últimos 10 anos.

E quais foram as principais mudanças?
Neste intervalo de uma década ocorreu uma verdadeira revolução tecnológica e de costumes. Os jovens de hoje não conheceram o disco de vinil, apenas o CD. Eles não vivenciaram um mundo com o sexo sem camisinha e desconhecem o Ato Institucional nº 5, implementado pelo Regime Militar, na década de 1970. Este distanciamento histórico é perigoso, afasta o jovem do passado. A escola precisa pensar seriamente nisso. Na preservação da memória para que o cidadão se reconheça na sociedade e possua uma identidade global. Não realizar isso com provincianismo, mas com capacidade para transitar nesse mundo, que chamamos transnacional. A escola deve formar jovens para trabalhar no Brasil e no exterior. É necessário que ele possua domínio de Línguas Estrangeiras e da linguagem da internet e seus mecanismos. São conhecimentos estratégicos, que definem a empregabilidade. Estas habilidades ainda são reduzidas dentro da escola e por razões econômicas, em muitas comunidades carentes. Este jovem atual estabelece diálogo, em tempo real, com 100 pessoas ao mesmo tempo pela internet. A forma de se comunicar é completamente diferente. O mundo foi muito alterado. E a escola precisa, obrigatoriamente, se adaptar a essas novas exigências para incluir os jovens nessa discussão. A escola precisa recuperar o lado humano, com mais ações solidárias. Sem dúvida, nós perdemos muito esta dimensão. As crianças estão mais agressivas, sem paciência. Reflexo de um mundo muito dinâmico e controverso. Existe um novo perfil psicológico dos jovens. As distâncias precisam ser reduzidas, com um diálogo mais próximo. Compreendemos os fenômenos, falamos deles, porém não são realizadas muitas ações que aproximem a escola dos jovens. Vivemos um momento difícil, mas muito rico. Existe uma procura pelo aperfeiçoamento das gestões públicas. Isso tudo vai melhorar a educação, um direito social básico e que permite a conquista dos demais. Neste momento, o Conselho Nacional de Educação está discutindo o Plano Nacional de Educação que completará 10 anos em 2010. E até 2011 será necessário aprovar outro Plano Nacional de Educação. É um momento ímpar de uma mobilização nacional para tornar possível uma avaliação das metas estabelecidas nesses 10 anos, perceber o que se alcançou e quais as razões para os insucessos. E os esforços que os conselhos municipais, estaduais e nacional fazem é no sentido de realizar uma integração cada vez maior com a comunidade, pois este movimento pode ser muito mais efetivo se a sociedade civil entender quais são os direitos que ela tem para uma educação de qualidade, não ficando apenas na aprendizagem da leitura e da escrita, buscando uma interpretação ampla do mundo, com a abertura de novos horizontes.

Quais as falhas e os pontos positivos da educação brasileira?
Em termos de metas é inegável que houve um crescimento no acesso, um maior alcance, principalmente no que diz respeito ao ensino fundamental, e na sua ampliação de oito para nove anos. Porém, a permanência e a conclusão ainda são problemas sérios. Registramos altíssimos índices de distorção série/idade.

Qual o nível de distorção série/idade?
Chega a metade dos alunos. São índices muito elevados. É comum que estudantes que possuem idade para cursar o último ano do ensino fundamental ainda estejam nas primeiras séries. Um dado que precisa ser muito bem trabalhado, pois, em geral, o aluno que repete séries ou mesmo o que é conduzido a outras etapas por aprovação automática, apesar de um aproveitamento deficiente, está numa condição desfavorável. A auto-estima desse aluno fica muito baixa, pois sabe que foi promovido sem mérito. Pensar na auto-estima é fundamental. Um fato que gera muito mais compromisso com as pessoas, dá força, criatividade e a pessoa se sente mais respeitada, passando a respeitar o semelhante.

A sra. considera que a aprovação automática representa uma falta de compromisso com uma educação de qualidade?
Discutir avaliação, sem debater o processo de aprendizagem é descambar para o "achismo". É preciso que a escola tenha clareza de seu projeto e das metas que pretende alcançar. E para atingir a meta precisa percorrer um caminho e se organizar para isso. Da forma como a escola vem se organizando sabe que existem muitas falhas e que é fundamental encontrar outras formas. Inclusive, eu gosto muito de uma citação que é imputada ao cientista Albert Einstein, de que "Não é possível corrigir um problema usando a mesma matriz que o criou". Então, se a matriz que nós temos ainda não conseguiu orientar para que a aprendizagem fosse realmente o fio da linha, estivesse presente e permanente em todos os momentos da discussão, é preciso rever essa forma de organização. Minha crítica a aprovação automática é que ela parte do princípio que todos aprenderam da mesma forma. Cada um aprende de um jeito e possui gostos diferentes. Infelizmente, o resultado observado é que nossos jovens saem das escolas sem terem apreendido os conteúdos. Terminam os estudos sem conhecimento de leitura e interpretação. Porém, o foco seria diferente se o aluno fosse aprovado e tivesse que recuperar os conhecimentos deficientes, com um acompanhamento para sanar dúvidas anteriores. O professor da série que ele foi aprovado deveria ser informado sobre as suas deficiências.

O ministro da Educação, Fernando Haddad, defende uma unificação do vestibular das 55 universidades federais para melhorar a seleção e influenciar o ensino médio. Ao invés de unificar o vestibular não seria mais adequado melhorar o ensino médio diretamente?
Podemos executar as duas ações ao mesmo tempo. Mas, em primeiro lugar é fundamental definir qual o perfil de ensino médio que o Brasil deseja. Ele servirá para quê? Para a cidadania? Para o trabalho, convivência em sociedade, ser aprovado no vestibular? A busca por uma formação mais humanística, com aulas de Educação Artística, Música Educação Física? Alunos mais críticos, reflexivos e investigadores. O aluno precisa destas características desde a Educação Básica.

O vestibular é uma seleção ultrapassada? Quais seriam as alternativas de acesso ao ensino superior?
Sim, da forma como é aplicado na maioria das universidades, como uma seleção em que os estudantes precisam decorar fatos e nomes. O desejo do ministro Fernando Haddad é modificar esse perfil de aluno para estabelecer um cidadão mais reflexivo, que questione o que acontece em sua volta. Não aceite passivamente. Acredito que o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) seria uma alternativa ao vestibular tradicional, como uma primeira fase deste vestibular unificado.

O ensino no Brasil está sendo valorizado adequadamente? Existem ações sendo promovidas pelo governo federal?
A Educação brasileira passa por uma fase de avanços. Por exemplo, a aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação(Fundeb), que é uma superação daquela política focada apenas no ensino médio. Passa a ser feito um financiamento desde a Educação infantil até o ensino médio, inclusive com uma orientação aos alunos da Educação especial. Estes estudantes recebem também o atendimento em outro horário. Ele vai para a escola e convive com outras pessoas. A escola precisa aprender a trabalhar com essas especificidades, com as diferenças, porque a escolarização para ele é muito importante. A escola tem um papel fundamental para o cidadão. A Conferência Nacional da Educação Básica, realizada no ano passado deixou claro o papel fundamental da escola para a sociedade. O Conselho Nacional de Educação tem feito um trabalho de mobilização, buscando uma maior integração, um diálogo mais próximo aos órgãos de Educação para propor ações efetivas em busca de uma qualidade superior. Outra questão muito importante é a discussão das diretrizes de carreira. Até o dia 31 de dezembro todos os estados e municípios precisam ter seus planos de carreiras aprovados. Já houve a aprovação do piso salarial, de R$950, uma luta antiga. Ainda é pouco, mas representa um passo importante, sendo o primeiro e não o último. A discussão não se encerra com este valor, ela se inicia. Este piso não representa um vencimento que permita ao professor a possibilidade dele concentrar seu trabalho e esforços em uma única escola, com recursos para comprar material didático, jornais, revistas, assisitir filmes e peças. Hoje se discute o currículo dos profissionais e importância da relação do currículo com a arte, o conhecimento e a cultura. Se o professor não tem capacidade financeira de proporcionar cultura a sua vida como passará isso em sala de aula. Existe um estudo que aborda este tema. Ele é chamado de "Custo aluno-qualidade", que é a regulamentação do inciso XIX do artigo 4º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que diz que é preciso estabelecer um mínimo necessário de material, de infraestrutura didática para que a educação de qualidade aconteça. Queremos saber que custo é esse e o que é feito em relação aos orçamentos. Se estas estimativas já dão conta de responder a essa realidade que surge com força.

Existe uma estimativa inicial deste custo?
Este tema está em discussão. Estamos conhecendo os parâmetros. Porém, sabemos que ele é importantíssimo no ensino fundamental, onde começa a formação do estudante.

Quais as principais atividades desenvolvidas pelo Conselho Nacional de Educação no momento?
Estamos desenvolvendo diversas ações, como o Fórum dos Conselhos Estaduais e com a União Nacional dos Conselhos Municipais. A preocupação é articular os conselhos para que as legislações ou normatizações sejam cada vez mais próximas da realidade. Desta forma, nós reunimos o Conselho Nacional de Educação aos conselhos estaduais e municipais e realizamos um diálogo extremamente importante. Inclusive, esse tema será discutido na Conferência Nacional de Educação, que acontecerá em abril de 2010. Esse ano, no primeiro semestre serão realizadas as conferências municipais, no segundo semestre, as conferências estaduais. Também nesse conjunto de atividades para a Conferência Nacional será realizado o Fórum Nacional de Educação Superior, entre 13 e 15 de abril, em Brasília. Essas discussões também objetivam preparar os especialistas para o Encontro Mundial sobre Educação Superior que acontece esse ano, e ocorre de 10 em 10 anos, em junho desse ano, em Paris.

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